A excessiva judicialização da política

O julgamento pelo Supremo Tribunal Federal, de um processo envolvendo a eleição da presidência da Assembleia Legislativa do Maranhão oferece uma oportunidade valiosa para refletirmos sobre o fenômeno da judicialização excessiva da política e os riscos que ela representa para a segurança jurídica em nosso país.

Conforme dispõe a Constituição do Estado do Maranhão e o Regimento Interno da ALEMA, as eleições para os cargos da Mesa Diretora seguem regras claras: em caso de empate, realiza-se nova votação, e persistindo o empate, considera-se eleito o candidato que tiver mais idade. Foi exatamente esse o procedimento adotado: após duas votações empatadas, a vitória foi conferida ao parlamentar mais velho, em total conformidade com as normas vigentes.

Embora o direito de recorrer à Justiça seja uma garantia constitucional, a situação específica apresenta peculiaridades relevantes. A parte que interpôs o recurso tinha pleno conhecimento das normas regimentais, pois um de seus membros já havia presidido o Legislativo estadual e atuado sob essas mesmas regras. Ademais, um outro de seus membros, que atuou como assessor da comissão responsável pela revisão do Regimento Interno, teria advertido sobre a ausência de fundamento na pretensão recursal. Esses elementos configuram indícios robustos de litigância de má-fé, caracterizada pela adoção de medidas processuais com o propósito de retardar ou perturbar a tramitação processual.

Prova maior da solidez da decisão tomada pela ALEMA é o fato de que até mesmo o ministro Flávio Dino, reconhecido correligionário e incentivador político da parte recorrente, manifestou-se contra o recurso, validando a regularidade do procedimento adotado pela Casa Legislativa.

O que causa maior inquietação, no entanto, não é o mero ajuizamento da demanda, mas o ambiente de incerteza que se estabeleceu durante sua tramitação, alimentando a percepção de insegurança jurídica. O receio de que mesmo regras claras e práticas consolidadas possam ser revistas ou subvertidas gera instabilidade e mina a confiança nas instituições.

Essa insegurança se agrava diante de uma tendência preocupante no cenário jurídico-político: o avanço do ativismo judicial. Em diversos casos, o STF tem se posicionado no sentido de suprir alegadas omissões legislativas, ainda que existam normativos aplicáveis, sob a justificativa de que o Legislativo não teria produzido a regulamentação desejada. Essa postura cria situações em que normas claras e suficientemente reguladas passam a ser reinterpretadas com base em narrativas que, muitas vezes, se afastam do texto legal e da vontade popular expressa democraticamente, por seu legítimo representante, o Poder Legislativo.

A consequência desse cenário é o enfraquecimento da estabilidade normativa e a ampliação da percepção de que o que hoje é certo pode, amanhã, tornar-se objeto de revisão por mera construção argumentativa, sem respaldo na legislação ou na vontade soberana dos legisladores.

O caso da eleição da ALEMA é emblemático: a regra regimental refletia um critério objetivo, inspirado inclusive no procedimento adotado pela Justiça Eleitoral para o desempate em pleitos majoritários. A tentativa de desconstituí-la por meio de judicialização não apenas revela uma conduta processual questionável, mas também põe em xeque a previsibilidade das decisões judiciais, essencial para a segurança jurídica e para a estabilidade do Estado Democrático de Direito.

É necessário reconhecer que o direito de ação é inalienável, mas também é imperativo que o Judiciário não atue como substituto dos poderes legitimamente constituídos.

Em suma, a judicialização excessiva da política e o ativismo judicial desmedido impõem sérios desafios ao ordenamento jurídico brasileiro. Defender a segurança jurídica é, mais do que nunca, essencial para assegurar a previsibilidade, a estabilidade institucional e a confiança do cidadão nas instituições republicanas.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Perfil

“Poeta, contista e cronista, que, quando sobra tempo, também é deputado”. Era essa a maneira como Joaquim Elias Nagib Pinto Haickel aparecia no expediente da revista cultural Guarnicê, da qual foi o principal artífice. Mais de três décadas depois disso, o não mais, porem eterno parlamentar, ainda sem as sobras do tempo, permanece cronista, contista e poeta, além de cineasta.

Advogado, Joaquim Haickel foi eleito para o parlamento estadual pela primeira vez de 1982, quando foi o mais jovem parlamentar do Brasil. Em seguida, foi eleito deputado federal constituinte e depois voltou a ser deputado estadual até 2011. Entre 2011 e 2014 exerceu o cargo de secretario de esportes do Estado do Maranhão.

Cinema, esportes, culinária, literatura e artes de um modo geral estão entre as predileções de Joaquim Haickel, quando não está na arena política, de onde não se afasta, mesmo que tenha optado por não mais disputar mandato eletivo.

Cinéfilo inveterado, é autor do filme “Pelo Ouvido”, grande sucesso de 2008. Sua paixão pelo cinema fez com desenvolvesse juntamente com um grupo de colaboradores um projeto que visa resgatar e preservar a memória maranhense através do audiovisual.

Enquanto produz e dirigi filmes, Joaquim continua a escrever um livro sobre cinema e psicanálise, que, segundo ele, “se conseguir concluí-lo”, será sua obra definitiva.

Busca

E-mail

No Twitter

Posts recentes

Comentários

Arquivos

Arquivos

Categorias

Mais Blogs

Rolar para cima