
Um sábado de atas, sapotis, mangas, pitombas e uma boa e inquietante conversa
Sempre que posso, depois do sagrado Caldo do Seu João, na Rua do Sol, vou com meu irmão, Nagib, ao Mercado Central, garimpar coisas para comprar.
Na última vez que lá estivemos, paramos em uma barraca para comprar umas atas, sapotis, mangas e pitombas, frutas que lembram muito nossos país. Estávamos ali quando se aproximou de nós um senhor. Ele tinha uma cara conhecida, mas não me lembrava o nome dele.
Nos cumprimentou e disse que conheceu nosso pai, disse que ambos trabalharam na Fábrica Santa Isabel, nos anos 1950. Que conheceu nossa mãe, do tempo em que ela trabalhava na secretaria de fazenda do município.
Ele contou muitas histórias, inclusive dos times de futebol de salão de papai e tio Samuel Gobel. Ficamos lá durante um bom tempo. Ele se lembrando de sua juventude e nós bebendo daquela fonte.
Ele contou que ao deixar a fábrica, se dedicou aos estudos, constituiu família, formou-se, trabalhou durante toda a vida e que hoje goza de uma confortável aposentadoria, na companhia de sua esposa, filhos, netos e até bisnetos.
No meio de nossa conversa ele disse uma coisa que me deixou muito feliz e recompensado. Disse que meu pai estaria orgulhoso de mim, por tudo que fiz depois que ele faleceu. Disse que ele acompanhou meu trabalho na política e acompanha o que faço na literatura, no cinema e o trabalho no MAVAM. Fiquei surpreso que ele soubesse sobre o MAVAM!…
Quando já íamos nos encaminhando para finalizar a nossa prosa, ele me disse que em que pese ele não ter tanto conhecimento quanto eu sobre política, que ele acredita que as coisas que estão acontecendo no Brasil, que todas as arbitrariedades que estão sendo cometidas pelos poderes da república, tanto no executivo, quanto no legislativo e principalmente no judiciário, vão acabar levando nosso país a um verdadeiro desastre. E finalizou de maneira catastrófica: “O que o STF tem feito, quase justifica a ação daqueles idiotas que tentaram dar um golpe de estado. É em momentos como esse, que as revoluções francesa e russa se justificam plenamente”.
Fiquei abismado, e bastante preocupado, pois aquele senhor que demonstrou durante todo o tempo em que passamos conversando, ser uma pessoa equilibrada, correta e de bem, e ele realmente é tudo isso, cogita que para resolver a crise criada pela desenfreada polarização, a generalizada judicialização de nossa sociedade, é justificável que se recorra a força.
Saí dali com as frutas que fui comprar, mas também com a cabeça cheia de questionamentos, difíceis para um sujeito como eu, com o meu perfil, minha formação e meu modo de pensar e me colocar perante as coisas da vida, conseguir digerir correta e satisfatoriamente.
Era como se ao invés de termos comprado as frutas de preferencia de nossos país tivéssemos comprado pepinos, jilós e pimentas para prepararmos uma salada de difícil digestão.