
Um querido amigo fez um comentário no meu texto “A difícil arte de analisar e entender a política brasileira”, no qual ele diz: “… análise é bem real! Mas você não acha, amigo, que no caso do Moraes é este o papel de um relator? Acumular um número possível de provas e oferecer à PF ou COAF da vida para apurá-las antes do pleno? Se vazar aí são outros quinhentos, muito bem exercitado por um outro juiz do Paraná…” E resolvi respondê-lo:
Meu amigo,
Antigamente, no tempo de Félix, Carlos Alberto, Brito, Piazza, Everaldo, Clodoaldo, Gérson, Rivellino, Jairzinho, Pelé e Tostão, se dizia que o Brasil era formado por mais de 90 milhões de técnicos de futebol. Hoje, feliz ou infelizmente, somos mais de 210 milhões de “advogados” e “jornalistas”, quase todos formados nas piores faculdades do mundo – faculdades imaginárias, porque o diploma, na maioria dos casos, é apenas a “certeza” de uma opinião. Poucos de fato conhecem as regras do direito ou do jornalismo. E mesmo aqueles que têm algum conhecimento, muitas vezes o utilizam de forma equivocada e nociva, contribuindo para a desinformação e a enganação.
Sobre o papel de um relator: ele é, por natureza, o regente da orquestra processual, mas não é o solista. Recebe a denúncia do Ministério Público, instrui o processo, ouve testemunhas, organiza as informações e relata ao colegiado. Mas ele não pode e não deve agir fora de suas regulamentares atribuições, não pode produzir provas, orientar ou manipular investigações. Essa tarefa é da acusação, que deve ser confrontada pela defesa, sob fiscalização do juiz. É isso que assegura o devido processo legal, que vem sendo completa e totalmente desrespeitado.
Quando o relator passa a acumular provas, a dirigir investigações ou a agir como acusador, ele abandona sua função de árbitro e se torna parte. E se o juiz vira parte, o processo deixa de ser justo e legal. Foi exatamente para evitar isso que a Constituição consagrou garantias processuais e separação de funções.
Infelizmente, no Brasil de hoje, como já foi dito, o devido processo legal foi completamente deformado. O Estado Democrático de Direito está sendo continuamente corroído sob a justificativa de que é preciso “desmantelá-lo” para evitar que outro grupo o desmantelasse. Veja a contradição: destruir a legalidade em nome de protegê-la.
A lógica é simples: se não respeitamos as regras constitucionais, caminhamos inevitavelmente para a ditadura, seja judicialista, seja ideológica (de esquerda ou de direita). Ambas resultam no mesmo autoritarismo, no cerceamento das liberdades e na violação daquilo que está garantido na Constituição Cidadã, que custou tanto para ser conquistada, após 21 anos de exceção.
Acredite, meu caro amigo, é isso o que, infelizmente, está acontecendo em nosso amado país, dividido e fragilizado.