Montesquieu e eu

Quando resolvi estudar advocacia, não o fiz na intenção de exercer efetivamente a profissão, fosse como investigador, sendo policial, fosse como acusador, enquanto membro do ministério público, fosse como defensor de direitos, em um escritório, fosse como julgador de processos, na condição de juiz. Sempre quis ter os conhecimentos de advogado para que pudesse ser um bom legislador, ambição que acalentava desde quando ainda menino, lerá, na desgastada Enciclopédia Ilustrada de minha tia Rosemary, o que era um constituinte.

Para mim, o aprendizado abrangente deste campo do conhecimento, seria fundamental para que conseguisse conhecer e entender minuciosamente, por dentro, todas as engrenagens e as suas lógicas construtivas e processuais, da mesma forma que um mecânico conhece um motor, com a mesma capacidade técnica que ele tem em saber como cada peça funciona, para que cada uma delas serve e o que faz. O que eu mais queria era compreender, na teoria e na prática, o significado daquilo que Montesquieu estabeleceu em sua obra “O espírito das leis”.

Feito esse necessário preambulo, gostaria de dizer a você que me prestigia com sua leitura que, de tudo que disse o ministro Luiz Fux em sua aula-voto na Ação Penal 2668, existem algumas coisas que, em minha modesta opinião, baseado no pouco que aprendi na universidade e na vida, acredito serem incontestáveis e não podem jamais deixar de serem levadas em consideração, sob pena de que a máquina do direito não funcione da maneira correta, desejada e exigida.

1 – O respeito ao devido processo legal é imprescindível para que haja o pleno estado democrático de direito, sem o qual tudo que se fizer estará em desconformidade com aquilo que estabelecem as leis, principalmente a lei maior, a Constituição.

2 – É inadmissível que não se respeite a regra constitucional da instancia devida e do juiz natural, pois ninguém pode ser processado, julgado e sentenciado fora da circunscrição a qual pertença. Isso gera nulidade de todos os atos do referido processo.

3 – É inadmissível que funcione como juiz em um caso, alguém que tenha interesse direto no resultado desse processo.

Como pode se dizer que um julgamento é legal e justo se uma das acusações aos réus é de tentativa de assassinato contra um dos juízes que julga o caso? Será que é possível haver imparcialidade por parte de um juiz que refere ao réu como sendo este “pior que o Satanás”? Como julgar com justiça e isenção, um réu que é adversário político de um amigo, ex-cliente e ex-chefe de alguns dos juízes responsáveis pelo processo?

Para que um processo seja legal e justo é indispensável que o julgador seja totalmente imparcial.

4 – Sem a devida Individualização das condutas, ao invés de fazerem justiça, em um processo, estarão cometendo abomináveis injustiças, condenando pessoas por crimes que não cometeram.

Qual a justificativa para condenar alguém por um crime que ele não tenha cometido? Estar em companhia de uma pessoa, em um determinado lugar e momento, enquanto este cometia um crime, torna essa pessoa criminoso?

5 – Para que um processo tenha sustentação legal e resulte na consumação da almejada justiça, é necessário que as provas que lhe dê suporte sejam confiáveis, que não sejam baseadas em meras notícias, narrativas ou discursos políticos. A materialidade das provas é requisito indispensável em um processo. Ninguém pode ser processado e muito menos condenado por ser simplesmente mal educado, grosseiro, cafajeste, canalha, imbecil, boçal, ou por ser portador de qualquer outros predicados negativos que não culminem em delito criminal tipificado em lei.

6 – No que diz respeito ao crime de organização criminosa, a lei brasileira estabelece que ele ocorre quando quatro ou mais pessoas, coordenadas e estruturalmente, organizadas por divisão de tarefas, ainda que informalmente, com objetivo de obter, direta ou indiretamente, vantagem de qualquer natureza, mediante a prática de VÁRIAS E DIVERSAS infrações penais. Está fora desta tipificação quando um grupo se reuni na intenção de praticar uma única e específica infração criminal, pois se assim o for, o crime tipificado é de concurso de pessoas.

7 – Um dos mais conhecidos jargões do direito, aquele que os estudantes do primeiro período do curso vomitam a todo instante para parecer que aprenderam alguma coisa – “o que não está no processo, não está no mundo”, ou seja o mundo do processo é apenas e tão somente aquilo que faz parte dele, e nada que dele não faça parte, interessa. Foi isso que Fux quis dizer ao usar a metáfora da mão e da luva.   

É indispensável que as regras processuais sejam respeitadas, pois são as regras que nos protegem do arbítrio, dos abusos de poder, como bem disse Montesquieu: “para que não haja ABUSO é preciso organizar as coisas de maneira que o poder seja contido pelo poder”.

Essa frase é o cerne do equilíbrio que deve existir entre quem elabora e aprova as leis, quem administra a vida da comunidade e quem supervisiona e determina se as leis estão sendo observadas e cumpridas. Cada um funcionando exclusivamente no âmbito de suas atribuições e jamais ultrapassando os seus limites.

Fora disso não há harmonia, não há paz, não há justiça. O que passa a haver é um teatro, uma encenação cuja peça nos apresenta uma tragedia inconcebível e inaceitável. Polarizada, ilegal e injusta.

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Perfil

“Poeta, contista e cronista, que, quando sobra tempo, também é deputado”. Era essa a maneira como Joaquim Elias Nagib Pinto Haickel aparecia no expediente da revista cultural Guarnicê, da qual foi o principal artífice. Mais de três décadas depois disso, o não mais, porem eterno parlamentar, ainda sem as sobras do tempo, permanece cronista, contista e poeta, além de cineasta.

Advogado, Joaquim Haickel foi eleito para o parlamento estadual pela primeira vez de 1982, quando foi o mais jovem parlamentar do Brasil. Em seguida, foi eleito deputado federal constituinte e depois voltou a ser deputado estadual até 2011. Entre 2011 e 2014 exerceu o cargo de secretario de esportes do Estado do Maranhão.

Cinema, esportes, culinária, literatura e artes de um modo geral estão entre as predileções de Joaquim Haickel, quando não está na arena política, de onde não se afasta, mesmo que tenha optado por não mais disputar mandato eletivo.

Cinéfilo inveterado, é autor do filme “Pelo Ouvido”, grande sucesso de 2008. Sua paixão pelo cinema fez com desenvolvesse juntamente com um grupo de colaboradores um projeto que visa resgatar e preservar a memória maranhense através do audiovisual.

Enquanto produz e dirigi filmes, Joaquim continua a escrever um livro sobre cinema e psicanálise, que, segundo ele, “se conseguir concluí-lo”, será sua obra definitiva.

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