O PREÇO DA DEMOCRACIA, DA JUSTIÇA E DA ESTABILIDADE JURÍDICA E POLÍTICA DE UM PAÍS (Ou o verdadeiro valor da soberania nacional)

Alguns amigos têm me perguntado por que ando tão ausente das redes sociais. Explico: nas últimas oito semanas, estive totalmente dedicado à realização de um projeto cinematográfico que exigiu de mim tempo, concentração e entrega absoluta. Ainda assim, encontrei um tempinho para escrever o texto abaixo.

No entanto, os fatos em nosso país têm ocorrido com tamanha velocidade e volatilidade que fui compelido a redigir também um segundo texto, atualizado, que reforça e aprofunda minhas reflexões.

Se você tiver paciência e interesse, leia ambos e tire suas próprias conclusões.

TEXTO 1: O CUSTO E O PREÇO INVISÍVEL DO SISTEMA

Se um ministro da Suprema Corte de um país que se pretende sério e democrático utiliza o jatinho particular do advogado de um investigado em processo envolvendo uma instituição bancária acusada de crimes contra o sistema financeiro nacional, podemos concluir que este é um dos custos e dos preços, altos e silenciosos, que somos obrigados a pagar pela democracia, pela justiça e pela estabilidade jurídico-política de nossa nação?

Se o escritório da esposa de outro ministro da Suprema Corte firma um contrato de 130 milhões de reais com a mesma instituição bancária que figura como ré neste mesmo processo, é lícito questionar se este também não é um dos custos e preços que se impõem ao país em nome de uma suposta ordem institucional?

Se, além disso, um terceiro ministro do mesmo tribunal defende publicamente que a Constituição Federal deve ser alterada para blindar os próprios ministros contra responsabilização por seus atos, mesmo diante de denúncias de irregularidades, prevaricações, abusos de poder e desvios éticos, então somos obrigados a perguntar: É este o custo e o preço que deve ser cobrado da sociedade para manter uma democracia saudável e um regime republicano funcional?

O discurso constitucional que estabelece, no Artigo 2º de nossa Carta Magna, a independência e harmonia entre os Poderes, parece, diante desses episódios, mais uma promessa abstrata do que uma prática institucional concreta. Afinal, não há equilíbrio possível quando um Poder se coloca acima dos mecanismos de controle que deveriam limitá-lo.

TEXTO 2: SOBERANIA, DIPLOMACIA E A FRÁGIL ARQUITETURA DOS PODERES

Circulam, nos bastidores diplomáticos e na imprensa especializada, relatos segundo os quais as negociações entre o Brasil e os Estados Unidos, que culminaram na retirada das sanções da Lei Magnitsky aplicadas a um ministro do Supremo Tribunal Federal, sua esposa e a instituição gestora de seus bens, teriam envolvido concessões extremamente sensíveis.

Entre tais relatos,  cuja veracidade ainda precisa ser confirmada, mencionam-se: a facilitação de tratativas envolvendo terras e minerais raros e estratégicos; compromissos de limitar projetos tecnológicos e aeroespaciais em parceria com a China; e o compromisso de não interferir radicalmente nas ações militares dos EUA no Caribe e na Venezuela.

Se tais informações vierem a ser comprovadas, ficará evidente que o inflamado discurso do governo, em defesa da soberania nacional, ocorre apenas quando lhe é conveniente. Quando não é, cede-se silenciosamente à lógica das conveniências geopolíticas, econômicas e dos interesses pessoais.

Ainda mais inquietante, porém, é saber que o ministro beneficiado pelas negociações teria agradecido pessoalmente ao Presidente da República pelo empenho em revogar as sanções. Tal gesto,  se confirmado, estabelece a existência de uma dívida pessoal e política impagável, fonte potencial de interferência indevida e de ameaça direta ao equilíbrio entre os Poderes, fundamento essencial do regime republicano.

O simples gesto de agradecimento do ministro da Suprema Corte ao chefe do Poder Executivo, por sua interferência em defesa dos interesses pessoais do ministro, estabelece um vínculo incompatível com a normalidade constitucional prevista pelo legislador originário em nossa Carta Magna. 

Como diria qualquer pessoa sensata, que consiga somar corretamente “um mais um”, fica óbvio que o sistema de freios e contrapesos previsto no Artigo 2º da Constituição não apenas encontra-se fragilizado, mas está, em grande parte, completamente inoperante.

A conclusão mais óbvia a qual se pode chegar é de que a democracia não morre de um golpe, mas de concessões silenciosas e sorrateiras.

O preço da democracia não deveria ser a corrosão de seus próprios pilares.
A estabilidade jurídica não pode repousar em privilégios, blindagens e conchavos, e a soberania nacional não pode ser moeda de troca, nem internamente, nem externamente.

Quando ministros se tornam intocáveis, quando o Legislativo abdica de seu papel fiscalizador e quando o Executivo se enreda em alianças que comprometem sua autonomia, não há harmonia entre os Poderes, mas sim subordinação, dependência e risco institucional grave.

A democracia brasileira não está sendo ameaçada por discursos extremos, mas por pequenas capitulações sucessivas que, juntas, produzem uma deformação estrutural do sistema republicano.

Acredito piamente que no futuro, os historiadores escreverão que este período pelo qual passamos, foi marcado não pela defesa da democracia ou da soberania nacional, mas pelo uso dessas bandeiras como álibis para violar os próprios fundamentos delas.

Perfil

“Poeta, contista e cronista, que, quando sobra tempo, também é deputado”. Era essa a maneira como Joaquim Elias Nagib Pinto Haickel aparecia no expediente da revista cultural Guarnicê, da qual foi o principal artífice. Mais de três décadas depois disso, o não mais, porem eterno parlamentar, ainda sem as sobras do tempo, permanece cronista, contista e poeta, além de cineasta.

Advogado, Joaquim Haickel foi eleito para o parlamento estadual pela primeira vez de 1982, quando foi o mais jovem parlamentar do Brasil. Em seguida, foi eleito deputado federal constituinte e depois voltou a ser deputado estadual até 2011. Entre 2011 e 2014 exerceu o cargo de secretario de esportes do Estado do Maranhão.

Cinema, esportes, culinária, literatura e artes de um modo geral estão entre as predileções de Joaquim Haickel, quando não está na arena política, de onde não se afasta, mesmo que tenha optado por não mais disputar mandato eletivo.

Cinéfilo inveterado, é autor do filme “Pelo Ouvido”, grande sucesso de 2008. Sua paixão pelo cinema fez com desenvolvesse juntamente com um grupo de colaboradores um projeto que visa resgatar e preservar a memória maranhense através do audiovisual.

Enquanto produz e dirigi filmes, Joaquim continua a escrever um livro sobre cinema e psicanálise, que, segundo ele, “se conseguir concluí-lo”, será sua obra definitiva.

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