Vergonha!

Não me lembro de alguma ocasião em que eu tenha sentido mais vergonha do que no último domingo, 17 de abril de 2016, quando no plenário da Câmara dos Deputados, em Brasília, os representantes do povo brasileiro votaram o parecer aprovado na comissão especial destinada a apreciar a autorização para que se instaurasse no Senado, processo de perda de mandato da presidente Dilma.

Ocorre que aquela vergonha nada tinha de minha. Ela não era resultante de ato praticado por mim. Ela era consequência do pavoroso espetáculo que foi assistir quase a totalidade dos parlamentares que lá estavam exercendo seu direito e sua obrigação ao voto, proveniente do mandato outorgado pelo povo brasileiro, justificarem seus posicionamentos das maneiras mais esdrúxulas e bizarras que qualquer ser humano com um mínimo de bom senso poderia imaginar.

Não quero julgar aqui o mérito do voto de cada um dos deputados. Se eles votaram sim ou votaram não, é uma mera questão de posicionamento de cada um, do ponto de vista jurídico-político, sobre a admissibilidade da abertura do processo. Gostaria de analisar nesse caso, não o principal, mas o acessório que acabou por desqualificar o principal de maneira tão contundente, que os comentários sobre os efeitos da votação foram quase que totalmente encobertos pela forma tresloucada como os votos foram declarados.

Foram poucos… Foram pouquíssimos os deputados que se restringiram a dizer simplesmente que votavam assim ou assado! Tanto os que se manifestavam favoráveis a que o Senado instaurasse o processo que poderia culminar com a perda de mandato da presidente, quanto os que rejeitavam essa ideia, portaram-se de maneira abjeta, asquerosa, imbecil, inaceitável para pessoas que representam todo o povo de uma nação!

Os absurdos não foram privilégio de quem se opunha à permanência de Dilma. Seus defensores foram tão ridículos em sua defesa quanto aqueles que a atacavam.

Nem vou aqui comentar os insultos que alguns parlamentares proferiram contra o presidente da Câmara, deputado Eduardo Cunha, acusado de inúmeras irregularidades e de crimes graves, até porque sou dos que acredita que ele já deveria ter sido afastado do cargo… Mas no meio daquilo tudo ali, lembrei-me do dia 5 de outubro de 1988, quando eu e meus colegas constituintes, comandados por Ulisses Guimarães, naquele mesmo templo sagrado da liberdade e dos direitos e garantias do povo brasileiro, cantamos o hino nacional… E aqueles sujeitos ali, maculando de forma absurda a confiança que a eles havia sido confiada pelo povo brasileiro.

Havia certo temor de um possível “efeito manada” quanto àquela votação. O tal efeito manada aconteceu, não no que dissesse respeito ao conteúdo do voto, mas quanto ao seu invólucro, as justificativas que cada parlamentar tinha o direito de fazer quando fosse proferir o seu posicionamento. Alguém começou a falar bobagem e os seguintes o acompanharam tal qual gado rumo ao abate.

Naquela votação foram vistas coisas inacreditáveis. Além do ridículo de citações a familiares, a profissões, a motivos que nada tinham com aquele ato, usou-se muitas vezes o nome de Deus de maneira completamente inapropriada.

Foi um espetáculo digno de um circo de horrores!

Por falar em circo, há um parlamentar que tem como profissão a atividade circense. Um homem de conhecimento formal limitado, de poucas luzes e quase nenhuma letra. Mas esse palhaço por profissão portou-se mais corretamente do que políticos experientes e tarimbados. Em horas como essa, apenas uma fala simples e bem colocada pode ganhar a cena. Era só dizer “voto sim” ou dizer “voto não”!

Aconteceu ainda um caso realmente lastimável. O deputado Jair Bolsonaro, não satisfeito por ser simplesmente um político de extrema direita, resolveu se perpetuar como um burro radical de extrema direita ao elogiar em sua declaração de voto um torturador do tempo do regime militar.

Se aquilo foi marketing, surtiu efeito! Mas o efeito contrário foi infinitamente maior, devastador, comprometendo inclusive, em parte, o resultado da votação.

Apenas para que não passe em branco: a cusparada que o deputado Jean Willys deu em Bolsonaro é outra coisa completamente injustificável, a menos que eles estivessem em um bordel disputando um acompanhante, e ainda assim, acredito que as pessoas que frequentam um bordel teriam melhores modos!…

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Perfil

“Poeta, contista e cronista, que, quando sobra tempo, também é deputado”. Era essa a maneira como Joaquim Elias Nagib Pinto Haickel aparecia no expediente da revista cultural Guarnicê, da qual foi o principal artífice. Mais de três décadas depois disso, o não mais, porem eterno parlamentar, ainda sem as sobras do tempo, permanece cronista, contista e poeta, além de cineasta.

Advogado, Joaquim Haickel foi eleito para o parlamento estadual pela primeira vez de 1982, quando foi o mais jovem parlamentar do Brasil. Em seguida, foi eleito deputado federal constituinte e depois voltou a ser deputado estadual até 2011. Entre 2011 e 2014 exerceu o cargo de secretario de esportes do Estado do Maranhão.

Cinema, esportes, culinária, literatura e artes de um modo geral estão entre as predileções de Joaquim Haickel, quando não está na arena política, de onde não se afasta, mesmo que tenha optado por não mais disputar mandato eletivo.

Cinéfilo inveterado, é autor do filme “Pelo Ouvido”, grande sucesso de 2008. Sua paixão pelo cinema fez com desenvolvesse juntamente com um grupo de colaboradores um projeto que visa resgatar e preservar a memória maranhense através do audiovisual.

Enquanto produz e dirigi filmes, Joaquim continua a escrever um livro sobre cinema e psicanálise, que, segundo ele, “se conseguir concluí-lo”, será sua obra definitiva.

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