Padre Nosso pra Vigário

Aproxima-se o prazo limite para a filiação partidária daqueles que desejarem ser candidatos a um cargo eletivo no pleito de 2014. A data é 5 de outubro, um ano antes da eleição.

Os cidadãos brasileiros elegerão ano que vem seus representantes à Presidência de República e aos governos de estados e distrito federal, além de deputados estaduais, federais e um senador em cada unidade da federação.

Uma grande rearrumação vem acontecendo nos bastidores partidários já faz algum tempo, fato que configura o primeiro passo para quem deseja se eleger, ou para quem pelo menos deseja competir tendo alguma chance de sucesso.

A lógica partidária para uma eleição majoritária é diferente daquela que deve seguir quem almeja um posto proporcional. Explico: quem quiser ser candidato a presidente, governador ou senador, deve buscar um partido grande, forte, bem estruturado, com diretórios no maior número possível de municípios, com bastante tempo de propaganda no rádio e na televisão, com uma boa cota do fundo partidário, fatores que ajudam na eleição.

Já quem concorre a um cargo proporcional, ou seja, para deputado federal ou estadual, deve procurar um partido que o acolha e lhe proporcione a possibilidade de concorrer com uma mínima chance de se eleger. Quem tiver a garantia de uma votação expressiva deve escolher as legendas mais fortes, pois em qualquer hipótese sua eleição é mais viável. Quem tiver uma razoável musculatura eleitoral pode optar também por entrar nos grandes partidos que ainda assim terá boas chances de se eleger ou ficar em uma suplência que possibilite sua ascensão. Os candidatos de pouco coturno eleitoral devem se agrupar nos pequenos partidos para que juntos possam fazer o maior número de legendas, o que possibilitará eleger os mais votados de suas agremiações ou das possíveis coligações que esses partidos possam vir a fazer. Candidatos de grande poder eleitoral buscam pequenos partidos no intuito de vencer fazendo menos força. Os pequenos são pequenos, mas não são burros. No máximo um ou dois fortes candidatos são aceitáveis nos pequenos partidos para que estes tenham o sucesso que pretendem.

Dizer tudo isso é chover no molhado para quem é do ramo, mas o digo hoje para algumas pessoas que onde me encontram pedem que eu explique como funciona uma eleição, principalmente a proporcional que ainda causa muitas dúvidas não só nos eleitores, mas também em candidatos de pouca experiência.

No caso do Maranhão as candidaturas majoritárias postas são as de Luis Fernando e Flavio Dino, havendo a possibilidade de um terceiro nome concorrer ao governo do estado: Eliziane Gama.

Aqui aparece a primeira grande questão do pleito do ano que vem: quem será mais beneficiado com uma terceira candidatura ao governo do estado? Acredito que será a própria Eliziane, que certamente se fará mais conhecida e estará se credenciando para concorrer à prefeitura da capital, a uma vaga de senadora ou mesmo ao governo nas eleições subsequentes para estes cargos. Além dela quem mais se beneficiaria? O governo ou a oposição?

A existência de três candidatos efetivos ao governo certamente empurrará a eleição para o segundo turno. Quem se beneficiaria com isso? Responda quem souber ou quem puder. Confesso que não sei a resposta para essa questão.

Quanto ao Senado, se a governadora Roseana for candidata, não haverá concorrência relevante. Se ela não for, a disputa entre o candidato da oposição, Roberto Rocha, e o do governo, Gastão Vieira, será equilibrada, sem previsão de vencedor.

Há aqui outra questão que deve ser analisada com muito cuidado. Roseana ajuda mais seu candidato ao governo disputando o Senado ao seu lado, correndo o estado pedindo votos ou no controle da administração até o último dia de seu mandato? Eis aqui outra questão que não sei responder. Diga quem souber!

Inclusive, há nesse caso desdobramentos perigosos. Em caso de Roseana ser candidata ao governo quem deve sucedê-la? O vice-governador ou um governador eleito indiretamente na Assembleia? Em sendo a segunda opção, quem seria o escolhido? O próprio presidente do Poder Legislativo ou outra pessoa?

São muitas perguntas difíceis a serem respondidas, por isso me obrigo a ficar comentando sobre a disputa eleitoral no que diz respeito às coligações proporcionais, onde me sinto mais confortável para opinar.

Ressalto que mesmo fazendo meros prognósticos, um ano antes do pleito, tenho muito mais segurança no resultado deles que na conjectura do que pode acontecer no pleito majoritário.

Acredito que a futura composição da Assembleia Legislativa contará com 11 deputados eleitos pelos partidos do grupo conhecido como Chapão e outros 15 deputados eleitos pelos pequenos partidos ligados ao governo, acomodados em varias coligações ou em voos solos. As outras 16 vagas deverão ser preenchidas por deputados de partidos de oposição agrupados em duas ou três coligações. O resultado seria 26 x 16.

No caso da Câmara Federal o desenho será parecido com o do último pleito, sendo que a oposição deverá fazer um deputado a mais desta vez, ficando o placar em 11 x 7.

Antecipar os acontecimentos pode não ajudar muito, mas enquanto se pratica esse passatempo somos obrigados a analisar com mais cuidado o que acontece hoje, o que nos faz entender as circunstancias e consequências dos fatos e algumas vezes nos permite corrigir rumos e repensar formas de atingirmos os nossos objetivos.

 

PS: O texto acima não visa ensinar ninguém o seu ofício, visa apenas registrar um ano antes do fato acontecer, uma previsão bastante plausível sobre seus resultados, além de também registrar as dúvidas que nos perseguem e que caso não sejam dirimidas a contento podem acabar por nos prejudicar eleitoralmente.

 

 

A intrincada arte da política.

Herdamos a noção original de arte da cultura grega que nos foi transmitida graças à colonização romana que aconteceu nos primeiros quinhentos anos da era cristã e se alastrou por quase todo o mundo.

Diz a tradição que eram seis as artes no tempo de Sócrates, Platão e Aristóteles: arquitetura, escultura, pintura, música, dança, e teatro, que era visto também como literatura, já que o hábito da leitura não era muito difundido e o conhecimento da escrita era bastante restrito. No final do século XIX, com a invenção das máquinas de fazer imagens em movimento surgiu o cinema, tido como a sétima arte, espécie de síntese apoteótica das seis artes primordiais.

No início da civilização humana havia uma grande aplicabilidade das artes no âmbito doméstico. A pintura de vasos, de estátuas, a construção de painéis e assoalhos de mosaico, todas essas coisas eram também consideradas arte, como realmente o são.

Em meio às artes decorativas helênicas existem duas que gostaria de usar como metáfora em minha abordagem de hoje: A arte da joalheria e a arte da tapeçaria.

Comparar metaforicamente a política com essas duas ocupações artísticas me dá oportunidade de voltar a dois dos assuntos que mais prezo: cultura e política.

Para mim o bom político pode ser comparado a um joalheiro ou a um tapeceiro, um artesão na melhor concepção da palavra, aquele que realiza o seu trabalho com conhecimento e arte.

O joalheiro assim como o político é um fundidor que domina o fogo e a forja onde derrete as substâncias com as quais trabalhará. Metais preciosos como ouro e prata. Ele escolhe e lapida as melhores e mais preciosas pedras coloridas. Ele planeja o que fará com antecedência e com cuidado. A improvisação nessa arte é um risco inconcebível. Enquanto você não domina a arte da joalheria, a improvisação é até aceitável, você está treinando, aprendendo, mas quando você coloca a sua oficina e começa o seu trabalho profissional, nada que não seja objetivo e prático é aceitável.

Assim é também em relação à arte da tapeçaria. Os melhores artistas dessa arte eram disputados pelos mais ricos e poderosos a elevado custo. Usando fios de lã, algodão ou outro tipo qualquer de fibra, tecidas em tramas perfeitas, manipulando agulhas, pinças e teares, os tapeceiros colocavam sua arte nos pisos e nas paredes de Atenas e Esparta sem se preocuparem com as divergências que reinavam entre eles.

Um bom tapeceiro poderia criar belas cenas de batalhas, iguais as que encontramos hoje nos museus decorando finos vasos de cerâmica, mostrando deuses, semideuses, heróis e personagens épicos que marcaram a história do povo que nos legou a filosofia, a antropologia, a sociologia e a política, isso sem falarmos da forma republicana de governo e do regime democrático, onde os cidadãos “iguais” e “livres” já decidiam os destinos de suas cidades-estados e de seus pares e escravos através do voto. Ainda hoje é mais ou menos assim.

A análise da história nos traz dificuldades incríveis. Talvez a maior delas seja a compreensão temporal dos fatos. Muita coisa que era comum, banal, simples, há 2.500 anos hoje é inconcebível. Coisas que eram práticas comuns 200 anos atrás não fazem o menor sentido nos dias de hoje. Ações que aconteciam normalmente há 50 anos, hoje caracterizam crimes inafiançáveis.

Em compensação, existem regras básicas que são imutáveis e olhe, não estou falando das leis da física, ciência na qual matemáticos e filósofos egípcios e gregos foram os precursores. Arte do conhecimento na qual romanos e árabes continuaram evoluindo, que ingleses e alemães aprimoraram e que hoje toda a humanidade pode desenvolver e desfrutar delas. Falo das leis básicas da antropologia, misturadas com as da sociologia, combinadas com as da psicologia, que acabam por resultar nas formas com que se apresenta a política, essa joalharia, essa tapeçaria, essa arte de construir “ambientes” onde as pessoas vivem e convivem.

Não falo aqui da política eleitoral e partidária, departamento menor dessa organização intrincada. Falo da política em lato sensu, a arte de conviver em sociedade, em grupo. Arte fundada na capacidade humana de compreensão e aceitação de suas causas, circunstâncias e limitações.

Um joalheiro ou um tapeceiro, assim como um político, quando bons em suas artes, são capazes de executar grandes obras.

O político, para se igualar ao artista, deve, antes de tudo, possuir e saber manejar os instrumentos de sua arte, tais como o raciocínio lógico, a coerência, a sensatez, a coragem, a honradez, a humildade e a sabedoria. Cada uma dessas coisas deve ser usada no momento certo e da forma exata, para que surtam o efeito desejado.

E qual deve ser o efeito desejado como resultado da arte da política?

Em minha opinião, o artista da política, incapaz de fundir joias ou tecer tapetes, incompetente para arquitetar prédios, pintar quadros, esculpir estátuas, compor músicas e cantar canções, coreografar danças ou escrever poemas e peças teatrais, tem como obrigação de artista desenvolver o ambiente onde as pessoas, beneficiárias dessas artes, possam viver em paz e harmonia, com dignidade e respeito.

Escrevendo esse texto eu tento desesperadamente convencer a mim e a você que me lê agora que aquilo que eu busco fazer com afinco e dedicação pode ser incluída na lista das artes humanas. Que a política pode realmente ser vista como a arte de harmonizar a vida das pessoas, fazendo com que elas, as pessoas, possam ter a real oportunidade de buscar e conseguir a tão almejada felicidade.

Posso, com esse texto, parecer ingênuo, mas prefiro ser assim que me juntar aos hipócritas ou aos cínicos.

Que aqueles que detêm, bem como aqueles que buscam o poder saibam que existem pessoas que “pensam”, e que elas estarão sempre preparadas para enfrentá-los… Empunhando as suas artes.

 

A vaidade de não ser

Hoje, depois de 35 anos trabalhando em política – comecei assessorando meu pai na Assembleia Legislativa, no final do governo Nunes Freire – vejo que por um lado, muita coisa mudou, mas constato que muita coisa ainda continua como dantes no Quartel de Abrantes.

Se fosse começar hoje não poderia fazê-lo trabalhando com meu pai. Teria perdido essa oportunidade devido à lei do nepotismo. Hoje jamais “estudaria” numa escola cujos professores eram Sarney, Millet, Pedro Neiva de Santana, Zé Burnet, Alexandre Costa, Bayma Serra, Raimundo Leal, Zé Bento Neves, Gervásio Santos, entre tantos, quase todos mortos.

Os filhos sucederem os pais é coisa comum. Isso acontece faz milênios. Artesãos ensinavam seus filhos a sua arte; os filhos dos escribas aprendiam o oficio dos pais; saltimbancos faziam dos filhos seus sucessores em cantoria, dança, teatro e acrobacia. Antigamente dizia-se que aqueles que não saiam aos seus degeneravam.

Muitos filhos continuam sucedendo os pais nos mais diversos setores da vida. Filhos de médicos seguem a mesma carreira dos pais, filhos de empresários da construção civil constroem com seus genitores, donos de padaria colocam filhos com a mão na massa, comerciantes tem seus filhos lhe ajudando em seus negócios.

Na leva de políticos do final dos anos 70 começo dos 80, havia muitos filhos. Entre eles os filhos de Sarney, Alexandre Costa, Vieira da Silva, Pires Saboia, Artur Carvalho, Nagib Haickel, Albérico Ferreira…

Hoje os filhos são os de Sálvio Dino, Edivaldo Holanda e Lobão; filho de Zequinha e neto de Sarney; Filhos de Pedro Fernandes, Lourival Mendes, Carlos Braide, Fufuca e Rubem Pereira; filhos e neto de Luiz Rocha; Neto de Eugenio Barros, filho de Filuca, sobrinho de Cafeteira, além de uma infinidade de parentes em todos os graus de prefeitos e ex-prefeitos espalhados Maranhão afora.

Seguir os passos do pai não é reprovável em nenhuma cultura, nem em relação a qualquer profissão.

Tenho orgulho de ter começado pelas mãos de meu pai, de ter aprendido com ele as regras básicas de como me portar na vida e na política.

Em 1982, aos 22 anos, fui deputado estadual. Em seguida elegi-me deputado federal constituinte. Depois disso passei um tempo assessorando o então governador Lobão na Secretaria de Assuntos Políticos.

Bem aí, nesse momento, meu pai morreu e eu fiquei por conta própria. Tinha que cuidar de mim mesmo e o que é pior, tinha que cuidar de minha família e dos amigos que ele me legou.

Depois de arrumar a casa, voltei à Assembleia para mais alguns mandatos e então resolvi não mais me candidatar.

Estava desiludido com a política, porém aceitei, sob grande pressão de amigos e correligionários, o cargo de secretário de Esportes do estado.

No começo fiquei meio chateado porque acreditava que essa secretaria não era a que eu mereceria. Imaginava que por ser escritor e cineasta, por ter sido tantos anos deputado e ter excelente trânsito junto à classe política, por ter um projeto audacioso de educação a distância, eu poderia ser mais bem aproveitado na Secretaria de Cultura ou nos Assuntos Políticos ou ainda na Secretaria de Ciência e Tecnologia, quem sabe até na Educação.

Como fui tolo! Como a vaidade nos cega! Não sabia eu que com as dificuldades inerentes à administração pública, pouco ou nada poderia eu fazer naqueles cargos.

Em relação a essas outras secretarias, a pequenina Sedel é muito mais operacional, eficiente e eficaz. Nela as imensas dificuldades financeiras são muito menores que nas outras secretarias. Lá, mesmo com os poucos recursos e os muitos problemas é possível fazer alguma coisa, o que jamais seria possível fazer em outras áreas.

Não é fácil ser gestor público. Você se depara com situações inacreditáveis, coisas insólitas que você jamais pensou pudessem existir ou acontecer. Cito algumas: um determinado projeto de construção prevê uma viga num lugar que se construída impediria a passagem das pessoas, o que gera grande atraso; uma chuva derruba um muro e a licitação para reconstruí-lo demora quase o tempo de um parto; um cidadão urina na pia de um dos banheiros do estádio e o secretário é cobrado pela falta de educação do torcedor; pessoas de certa comunidade obstruem a saída da drenagem de uma praça esportiva fazendo com que a água emposse e cause grande prejuízo; vândalos quebram os banheiros de outra praça esportiva no dia de sua reinauguração; os dirigentes de certa federação e de importantes agremiações esportivas se desentendem, fato que prejudica o esporte maranhense que vem passando por uma boa fase.

Vez em quando fico esmorecido. Tenho vontade de largar tudo e tocar minha vidinha, mas teimoso, acabo continuando.

Na semana passada, almoçando com um querido amigo, ele na tentativa de me seduzir a voltar a disputar mandato eletivo, disse-me uma coisa que me deixou comovido. Disse que o bom em relação a minha pessoa é que onde quer que ele chegue e fale em mim, as pessoas dão crédito. Não querendo desmotivá-lo nem tão pouco ser deselegante, respondi-lhe dizendo que atualmente a minha maior vaidade é resistir aos insistentes convites de amigos e correligionários para que eu volte a ser candidato a deputado.

Na verdade, por enquanto ainda não apareceu e acho que não irá aparecer o motivo que me faria deixar o conforto de minha vida atual.

Além dos projetos de relativo sucesso frente à Sedel, há a paixão com que tenho me dedicado ao trabalho de descobrir, resgatar, catalogar e preservar fotografias e filmes antigos sobre nossa terra e sua gente, além do prazer que tem sido a possibilidade de realizar filmes sobre importantes personalidades maranhenses como Haroldo Tavares, Terezinha Rêgo, Eliezer Moreira, os membros da AML, os artistas plásticos do Maranhão, nossos radialistas, nossos fotógrafos…

Esses são tempos difíceis, mas extremamente felizes. Pra que mudar isso!?

 

Vinte anos sem Nagibão

Vinte anos atrás, no dia sete de setembro de 1993, morria na cidade de Coroatá, depois de participar das comemorações do dia da Independência do Brasil, o então presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Maranhão, deputado Nagib Haickel, meu pai.

Em meio à comoção em torno de seu falecimento, lembro que respondendo à pergunta de um repórter, disse que a sensação que tinha naqueles dias era a de que ele havia saído em uma grande viagem, pois sua presença era tão marcante que a morte parecia não apagar.

Hoje, passados vinte anos, essa sensação sobre a suposta viagem que ele estaria fazendo continua presente. Vez em quando sonho que ele telefonou, mandou telegrama, cartão postal ou escreveu uma carta, quase sempre falando sobre o assunto do momento pelo qual passamos. Outro dia sonhei que ele estava em Paris e mandou-me dois postais, um da Torre Eiffel onde dizia, “Só quem tem coragem de sonhar constrói torres…” e outro da Ponte Alexander III, onde terminava a frase: “… e pontes. Que nunca lhe falte coragem de sonhar, pois se seus sonhos forem justos e verdadeiros, eles se realizarão”.

As pessoas continuam falando sobre ele com a mesma desenvoltura, e olhe, não estou me referindo às pessoas da nossa família. Onde quer que eu chegue e alguém fale sobre ele é sempre num tempo verbal que não deixa lá muito claro que está falando de um personagem já falecido há vinte anos.

Os fatos em torno dele são tão curiosos e saborosos! Guardam o frescor das frutas que ele tanto apreciava e fazia questão de servir em seu gabinete na ALM, aquele mesmo gabinete que ele mandou retirar as portas, como já havia feito antes em sua loja a Meruoca, na intenção de dizer aos amigos, fregueses e usuários que ele estava sempre de portas abertas para receber a todos, sem distinção de sexo, raça, religião, classe social ou preferência política e ideológica.

Para quem não sabe, Nagib Haickel era filho de imigrantes libaneses e nasceu na cidade de Pindaré-Mirim em dezembro de 1933. Foi comerciante e político e em suas duas atividades sobressaiu-se por sua imensa criatividade e pela maneira sempre alegre e extrovertida de ser.

Costumava brincar dizendo que só cursara até o primeiro ano do curso médio de contabilidade, mas que se formara na universidade da vida, tendo estudado com alguns dos professores mais gabaritados de seu tempo.

Em sua escola de comércio teve como mestres Wadi, Eduardo e César Aboud. Além deles teve seus pais Elias e Maria, o primeiro, mestre na matéria correção e seriedade nos negócios e a segunda, catedrática na arte de conquistar o freguês e vender suas mercadorias. Na escola dos Aboud se vangloriava de seus colegas de turma, Alberto Aboud e William Nagem, enquanto na escola dos Haickel se mirava nas primas Loury e Celeste.

Na política, atividade posterior ao comércio, pela qual se apaixonou de igual modo e com a mesma intensidade, ele deve ter tido mais dificuldade de aprendizado, pois entrou nela por uma porta lateral, levado pelas mãos de seu irmão Zé Antonio, um ano mais velho que ele, que resolveu em 1965 se candidatar a prefeito de sua cidade, na tentativa de fazer chegar até lá o então Novo Maranhão que apregoava o deputado e candidato a governador, José Sarney. Pindaré passou a ser um dos melhores municípios da região.

Na política também aprendeu tudo pelo ensinamento prático. Teve poucos mestres entre os quais se destacam o próprio Sarney, Alexandre Costa e Clodomir Milet.

Ele foi contaminado pelos micróbios concernentes às atividades que desenvolveu de forma total e definitiva. Era e é impossível imitar ou até mesmo tentar acompanhar o ritmo do comerciante ou do político Nagib Haickel.  Eu que o diga, pois foi exigido de mim que eu tentasse igualá-lo, mas tenho certeza que ele, no fundo, sabia que eu não conseguiria. Acredito que ele tinha sensibilidade suficiente para saber que eu não deveria tentar imitá-lo ou mesmo acompanhá-lo. O que ele queria no fundo era dividir comigo um pouco de sua arte e de seu conhecimento, para que ao meu modo, do meu jeito pudesse utilizar seus ensinamentos, o que pode parecer pouco, mas não é.

Meu pai teve muitos apelidos. Em casa, pelo irmão e irmãs era chamado de “seu Ziba”; Na beira do rio Pindaré, pelos amigos, era conhecido por “Tijibú”, alusão a um touro bravo; Na Chames Aboud e na Fábrica Santa Isabel, pelo jeito irrequieto e brincalhão, “Nagib Doido”; Nas ruas alguns o chamavam de “Carcamano”, por sua ascendência libanesa; Na política, pelo fato de distribuir toneladas de bombons para as crianças, “Nagib Bom-Bom”; Depois de algum tempo, todos que o conheciam ou até quem nunca o tinha visto, o chamava simplesmente de “Nagibão”.

Aqui, nesse restrito espaço de jornal é impossível tentar desenvolver um texto que possa resumir a história de vida de uma pessoa, ainda mais sendo de uma tão controversa e polêmica quanto Nagib Haickel.

Só para você ter uma ideia, comecei a fazer um filme sobre ele, para apresentar agora. O filme que teria vinte e seis minutos passou para cinquenta e dois e agora eu e meus colaboradores chegamos à conclusão de que o filme não poderá ser realizado se não em quatro episódios de vinte e seis minutos, pois são tantos e tão bons depoimentos sobre os fatos de sua vida que não podemos deixar de mostrá-los.

Há uma coisa que já disse antes e que gostaria de repetir agora, pois acredito ser o fato mais importante da vida de meu pai.

Dentre tudo que ele legou a mim e a meu irmão, três são os patrimônios mais valiosos: a oportunidade de termos nascido em uma família amiga e carinhosa; A escolha de uma mulher maravilhosa para ser nossa mãe, bem maior que nós temos; e uma legião de amigos verdadeiros e sinceros, cultivados com lealdade e dedicação.

Meu pai tinha duas frases que usava como roteiro de sua vida. Uma simbolizava seu trabalho e sua dedicação: “O fácil já fizeram; o difícil se faz logo; o impossível demora um pouco mais”. A outra representava seu compromisso, sua coragem, sua honra e sua lealdade: “Dou um boi para não entrar numa briga, mas uma boiada para não sair dela”.

Reconhecido como um homem extremamente generoso, ele foi vitima do órgão que o representava mais fielmente, o coração. Seu coração metaforicamente grande cresceu fisicamente e tirou-lhe a vida três meses antes dele completar sessenta anos.

Se você me perguntasse agora quem foi meu pai, eu poderia responder-lhe simplesmente como ele faria: “Caboclo do Vale do Pindaré, acostumado a comer Tapiáca e Mandubé”, mas ficaria faltando muito para desenhá-lo com mais precisão, então eu lhe digo, leia seu livro de cabeceira, “Como Influenciar as Pessoas e Fazer Amigos” de Dale Carnegie, quem sabe assim você possa descobrir quem foi Nagib Haickel. 

 

Acalanto selecionado para outro festival.

Parabéns Arturo!

Bogocine: Cortometraje Internacional

“(Dí)vida” de Cleber Almeida. Brasil
“9546 Km” de Sergio Garcia Locatelli. Peru
“Acalanto” de Arturo Saboia. Brasil
“Boca Fechada” de Elder Fraga. Brasil
“Caperucita y el Leñador en el Monte (despues del final feliz)” de Sofia Bertotti y Juan Manuel Dominguez. Argentina
“Dozdi” ( “El Ladrón”) de Mohammad Farahani. Iran
“El Año Pasado en Mardelplá” de Santiago Korovsky. Argentina
“El Revés” de Gonzalo Perdomo. Perú
“First Contact” de Matt Richards. Australia
“Five ways to kill a man” (“Cinco Maneras de Matar a un Hombre”) de Christopher Bisset. Estados Unidos
“Gold Field” de Alan King. Australia
“Hermeneutics” de Alexei Dmitriev. Rusia
“I´m dead” de Francesco Picone. Italia
“Mura“ de Ben Pase. Italia
“Nao deixe joana só” (No te vayas Joana”) de Cecilia Engels. Brasil
“O Fim do Filme” (“El Fin del Film”) de André Dib. Brasil
“O pesar da Dúvida” de Rafael Nani. Brasil
“Perder” de Javier Colongo y Hugo Meyer. Argentina
“Porno Star” de Yashim Bahamonde y Nelson Mendoza. Perú
“Shift” de Juan Carlos Zaldivar. Estados Unidos
“The Last Day of the Dragon” (“El Ultimo Dia del Dragón”) de Jamil Hendi. Rumania
“The Real Thing” (“La Cosa Real”) de Yamil Julian Cure. Reino Unido
“Two Weeks Tops” (“Dos semanas Tope”) de Danny Hecht. Israel
“When the music´s is over” (“Cuando se acaba la música”) de Shahar Gross. Israel
“Camionero” de Sebastian Milo. España.

Acalanto para uma outra São Luís.

Republico abaixo o texto que escrevi depois de assistir o filme “Acalanto” do cineasta maranhense Arturo Saboia.

“Acalanto” e Arturo acabam de ganhar seis prêmios no festival de Gramado, um dos mais importantes festivais de cinema do Brasil e da América Latina. 

De parabéns Arturo e toda a equipe que participou desse projeto e de parabéns o Maranhão que passa por um período bastante rico e produtivo no que diz respeito as realizações cinematográficas

Enganar-se-á redondamente quem imaginar que o título acima se refere a um tema político. Estará equivocado aquele que pensar que eu desejo hoje abordar algum aspecto de nossa cidade usando a vertente partidária ou ideológica. Cairá em erro quem supor que eu vá hoje vociferar contra o abandono do centro histórico, contra a inação dos governos em suas três esferas de descaso para com o nosso patrimônio cultural, histórico e arquitetônico.

A outra São Luís de que falo nos chegará hoje pelo foco da sensível e competente lente de um de nossos maiores cineastas.

A São Luís dele é a cidade das calmas ruas do centro. Nela se materializam os personagens do belíssimo drama concebido na genial cabeça de Mia Couto, maior escritor cabo-verdiano. Uma outra São Luís, um doce cenário que se adequa perfeitamente a quase todas as histórias que já tenham sido escritas ou que ainda venham a ser, tendo o ser humano, suas circunstâncias e suas conseqüências como pano de fundo.

Falo da São Luís de Arturo Saboia, cineasta que compõe a elite do cinema maranhense. Nesse ofício ele encontra-se ao lado de Frederico Machado, Francisco Colombo, Beto Matuck, Breno Ferreira, João Paulo Furtado, Zé Maria Eça de Queiroz, Junior Balbi, Ione Coelho, Denis Carlos, entre outros, sempre inspirados no trabalho de pioneiros como Murilo Santos, Euclides Moreira Neto, Ivan Sarney, João Ubaldo de Moraes… Tenho certeza que você leitor amigo pouco conhece sobre o cinema e os cineastas maranhenses. A culpa não é sua. Espero que muito em breve essa realidade mude. Tenho fé de que logo isso vai acontecer.

Recentemente Arturo chamou a mim e a Jacira à sua casa para assistirmos ao seu novo filme, “Acalanto”. Uma verdadeira obra prima.

Arturo que estreou com o também excelente “Borralho”, baseado em um conto do mesmo Mia Couto, é um cineasta cuja maior qualidade, longe de ser a única, é a forma delicada e sensível com que aborda os temas aos quais se debruça. Ele faz isso mais uma vez com maestria em seu novo filme.

Roteirista minucioso, desenha as palavras de seu guião de tal forma, que de posse dele, qualquer um possa realizar um belo filme.

Tive o prazer e a honra de trabalhar com Arturo na confecção dos roteiros de alguns de meus filmes e posso garantir-lhe que ele é sensível, culto, aplicado, humilde e generoso, qualidades que fazem com que ele seja um grande artista.

Quanto ao filme, sem correr o risco de desmanchar o prazer de quem vier a vê-lo, posso dizer que é a declaração de amor fraterno mais doce que vi ultimamente no cinema. Digno de produções grandiosas. Devo dizer que este curta metragem bem que poderia fazer parte de um longa que retratasse essa temática, que desfolhasse a flor do amor simples e singelo que a maioria das pessoas nem percebem que existe, bem ao nosso lado.

Arturo com o seu “Acalanto” dá um salto qualitativo e quantitativo imenso em relação ao seu primeiro filme, “Borralho”. Este que já era bom, agora passará a ser uma referência filmográfica importante, pois o segundo é perfeito.

Dizer isso mais que um mero elogio é um desafio ao autor, para que ele se supere também no próximo, coisa que tenho certeza, ele fará.

Quanto ao desempenho dos dois atores em cena, ele é irretocável. Luiz Carlos Vasconcelos e Léa Garcia estão perfeitos em seus papeis. Tempos atrás eu havia sugerido a Arturo que chamasse Laura Cardozo para viver Dona Luzia. Não foi possível e acabou por ser melhor. Léa Garcia está soberba. Para mim e para quem viu o filme ela arrebatará muitos dos prêmios que disputar.

O mesmo deve ocorrer com “Acalanto”, que tendo um tempo de duração elevado para um curta metragem – eles devem ter até quinze minutos, o filme de Arturo tem vinte e três – mesmo assim, ele deve ser o filme curto maranhense mais premiado do ano.

“Acalanto” é um filme do qual gostaria de ter participado em qualquer função, mesmo que trabalhasse como operador de Travelling ou como um simples continuísta. Por isso a Fundação Nagib Haickel e a Guarnicê Produções se responsabilizarão pelo custeio do envio dessa obra para alguns dos mais importantes festivais de cinema do Brasil e do Mundo.

Fico orgulhoso de, em nossa terra, termos pessoas como Arturo Saboia, capazes de realizar uma obra tão importante. Sinto-me privilegiado e orgulhoso de fazer parte desse grupo, de ser amigo desses meninos que tanto honram a nossa tradição cultural.

Vai demorar algum tempo até que eu perdoe Arturo por não ter me chamado para que, mesmo de longe, eu pudesse presenciar a realização dessa bela obra. Vai demorar muito tempo para que eu perdoe a mim mesmo, por não ter à minha disposição o tempo necessário para fazer essas coisas que tanto me aprazem.

“Acalanto” do maranhense Arturo Saoia é eleito melhor curta em Gramado

Produção maranhense inspirada em conto de José Eduardo Agualusa, “Acalanto”,
de Arturo Saboia, foi eleito melhor curta do 41° Festival de Gramado.
O filme recebeu seis prêmios.

Confira a lista de curtas premiados:

Curta
Filme: “Acalanto”, de Arturo Saboia
Júri popular: “Acalanto”
Prêmio especial do júri: “Os filmes estão vivos”
Diretor: Arturo Sabóia (“Acalanto”)
Atriz: Lea Garcia (“Acalanto”)
Ator: Kauê Telloli (“A navalha do avô”)
Roteiro: “A navalha do avô”
Fotografia: “Arapuca”
Montagem: “Merda!”
Direção de arte: “Acalanto”
Trilha sonora: “Tomou café e esperou”
Desenho de som: “Acalanto”

Justiça ao Geia

Quem ama a justiça, passa além e acima de qualquer diferença ou divergência de ordem pessoal.

Meu velho pai, que tinha a fama infundada de ser um homem pouco fino, era reconhecido por todos como um cidadão extremamente inteligente, dotado da incrível sabedoria dos homens simples e grande conhecedor da alma humana. Entre tantas lições que nos deixou, uma ficou marcada na memória de meu irmão e na minha: que em nossos julgamentos jamais nos deixássemos levar por qualquer preconceito ou sentimento que nos fizesse perder o sentido da justiça e da verdade, qualquer que fosse o caso, situação ou pessoa.

Lembro de como ele nos ensinou essa lição. Sendo ele presidente do Moto, eu torcedor do Sampaio, e meu irmão Nagib Filho maqueano, ele deu o exemplo. “Vejam bem: Djalma é do Sampaio, mas é craque. Hamilton, do Maranhão, é gênio. Acontece que meu time é o Moto, e vou fazer tudo para ganhar o campeonato, mas nunca vou deixar de fazer justiça, de dar o devido valor a quem merece”.

Nagibão criou um personagem e se escondeu atrás dele. Quem o conhecia de perto sabia de todas as suas qualidades (e defeitos). Com ele, eu aprendi a ser justo, e hoje vou fazer justiça a uma instituição que acredito realizar uma obra extremamente importante em nossa terra.

Refiro-me ao Instituto Geia.

O fato de eu não ter nenhum laço de amizade que me ligue ao presidente do Instituto Geia, o senhor Jorge Murad, mesmo sendo ele marido da governadora Roseana Sarney (a quem secretario no setor de Esporte e Lazer) me deixa em situação extremamente confortável para tecer algumas considerações que acredito serem necessárias a respeito daquela instituição.

O Instituto Geia é uma associação de 24 grandes empresários (podia ser muito mais) reunidos com o propósito de realizar ações que eles acreditam ser importantes para a coletividade maranhense.

É sobre um dos campos de forte atuação desse Instituto que eu quero falar especificamente hoje: do setor escolar, da cultura letrada, da literatura e da história.

Por tudo o que tem feito de bom e importante em prol da cultura e da educação em nosso Estado o Geia tem se destacado de forma exemplar.

O Maranhão exporta hoje, para o Brasil e para o mundo, não apenas o alumínio ou o ferro de Carajás, exporta também os livros produzidos pelo Instituto.

A Coleção Geia de Temas Maranhenses já lançou mais de 20 obras substanciais de nossa bibliografia. Quem quiser ter à mão a crônica fiel do que foi a rendição dos franceses pelos portugueses em 1615 tem que ler o Relatório de Alexandre Moura, feito diretamente ao rei de Portugal, e publicado entre nós, pela primeira vez, pelo Instituto Geia.

Quem precisar de uma obra seminal que nos dê conta das possibilidades e dificuldades dos homens de negócio durante o nosso Período Colonial, não pode dispensar-se de ler, anotando, a edição, também anotada, do Compêndio histórico-político de Gaioso, que é de 1818 e só tinha tido uma reedição até agora, do Geia, que tem a vantagem da ortografia atualizada.

Quem quiser nome, biografia e descendência de todos os fidalgos e homens da nobreza maranhense da Colônia e fim do Império, basta consultar os Fidalgos e barões, de Milson Coutinho, publicado em grosso volume do Geia.

O mesmo se diga para quem quiser conhecer a Balaiada por dentro: é só reler Astolfo Serra, um dos nossos clássicos, publicado mais de 50 anos depois da última edição.

A mesma coisa quanto ao que realizaram os governos maranhenses, do Império ao fim da Primeira República. Para isso, leia Administrações maranhenses, de Henrique Costa Fernandes, um livro que fazia falta. E o que dizer das Memórias de Humberto de Campos, reunidas num só volume, e do seu Diário secreto, que, passados mais de 60 anos, retorna a público, e é mais que apenas uma obra de literatura, pois é também o depoimento sofrido de uma vida em dor e o testemunho iluminador do que foi, no fim das contas, o golpe de Getúlio, que a História consagrou com o nome de Revolução de 30. E ainda tem a História do Maranhão, os três volumes de Carlos de Lima, e o Lavardière e a França Equinocial, de Vasco Mariz, a que faz boa companhia o último livro, A Ilha e o Tempo, obra premiada por um Concurso Nacional aberto pelo Instituto Geia para comemorar os 400 anos de São Luís.

Iria longe se pretendesse resenhar toda a bibliografia do Geia. Mas não posso deixar de lado os álbuns magníficos, brinquedos encantados, com fotos maravilhosas sobre a cultura negra maranhense, São Luís, Alma e História e Alcântara, Alma e História.

Mas não paremos aqui. Em todo mês de agosto, já se vão 10 anos, a cidade de Ribamar tem sido sacudida pelo Festival Geia de Literatura.

Esse evento não é só de Literatura, nem é mais só de Ribamar. Atualmente, começa em São Luís, atraindo uma multidão de estudantes em torno de autores que são best-sellers, como Laurentino Gomes e Mary del Priore. O encontro é muito produtivo, porque, antes dele, os alunos já se obrigaram a ler a obra desses escritores, junto com os seus mestres. O significado dessa prática só poderá ser entendido plenamente quando os jovens de hoje forem adultos amanhã, pais e mães de família. É uma memória para sempre, um convite que arrasta com a força do maior e melhor exemplo.

Analogamente ao ensinamento de meu pai, vejo que não ser do time do senhor Jorge Murad em nada importa, pois sou daqueles que independente de time, gosto mesmo é de aplaudir os grandes escretes, de vibrar com as grandes atuações e reconhecer o mérito de quem realmente é capaz de fazer grandes jogadas e ganhar jogos importantes, como tem feito e espero que continue fazendo o Instituto Geia.

Pelo fato de fazer com que o Maranhão volte, em parte, a ter o prestígio dos tempos em que a velha Província era um centro cultural e editorial de grande importância no país, e em tempos mais próximos de nós, quando ainda existia o Sioge, de saudosa memória e importância essencial, o Geia merece nosso reconhecimento, nosso respeito e nossos agradecimentos.

Parabéns aos idealizadores e sustentadores do Instituto Geia, e obrigado pelo importante trabalho que tem realizado para benefício da educação, da literatura, da história e da memória do Maranhão.

Santo!? Nem tanto.

Há uns quarenta anos, creio eu, assisti a um filme que me impressionou imensamente: O homem que não vendeu sua alma.

Naquela época, é bom que se diga, a televisão brasileira propiciava acesso a alguma cultura através de sua programação cinematográfica…

Pois bem, aquele filme narrava parte da vida de um personagem a quem passei a admirar desde então: Thomas More.

O que dizer de Sir Thomas? Advogado, diplomata, homem de Estado, lorde, chanceler da Inglaterra sob o reinado de Henrique VIII. Grande humanista, escritor, autor de vários livros, entre eles, uma das mais importantes obras literárias de todos os tempos, Utopia. Católico fervoroso, foi canonizado santo pela Igreja Católica em 1935, é patrono e padroeiro dos políticos e governantes (quem dera que a maioria de nós honrasse nosso padroeiro!). Decapitado por ordem de seu amigo, o rei Henrique, por recusar-se a jurar obediência ao ato de supremacia que criava a Igreja Anglicana separando os católicos ingleses do papa e de Roma, transformando seu rei em chefe da nova religião.

More é uma personalidade fascinante, ainda mais para um adolescente que, através de um magnífico filme histórico, passava a conhecer sua história de coragem, nobreza, justiça e honra.

A partir dali, eu quis muito ter aquelas qualidades que vi estampadas naquele personagem apaixonante, um homem a quem foi oferecida muita coisa, e em troca foi pedido um simples juramento, que bem poderia ser falso. Mas ele não cedeu.

Através daquele filme, a televisão estava indiretamente ajudando a forjar meu caráter, soprado pelo fole de uma família equilibrada e correta.

A teatralização de pequena parte da vida de um personagem tão ilustre fez com que o adolescente Joaquim viesse a ler Utopia, livro de difícil entendimento para um garoto inquieto. Esse fato me obrigou a lê-lo novamente mais tarde, quando eu já tinha adquirido mais sossego e algum suporte cultural capaz de me fazer entender de que tratava todo aquele louco sonho. Até hoje, não sei ao certo qual o significado mais preciso para a palavra utopia (etimologicamente não lugar), se sonho, algo ideal ou se loucura, no sentido de coisa impossível.

Recentemente voltei a me encontrar com Sir Thomas e com seu livro, desta vez em audiobook, ouvido no carro, em capítulos do tamanho dos meus trajetos, com direito a voltar para não perder o fio da meada.

Desde o dia em que vi aquele filme, passando pela minha dolorida primeira leitura de Utopia, pela esclarecedora segunda lida, até a mais recente, fui conhecendo mais e mais o autor da obra, o humanista, e dediquei alguns instantes a pesquisar mais sobre ele e seu tempo.

Nesse intento, há uns 20 anos, descobri coisas horríveis. O meu ídolo era menos inteligente, menos coerente, menos honrado e menos nobre do que eu imaginava. Continuava sendo corajoso e justo, até porque coragem não depende de ponto de vista, enquanto senso de justiça só se pode analisar do ponto de vista do personagem.

Minhas pesquisas comprovaram que More foi diretamente responsável pela morte de vários homens considerados por ele, e pelos seus iguais, como hereges. Fiquei ultrajado.

Ainda bem que só vim saber mais sobre Thomas More quando já tinha maturidade e poderia entender todas as circunstâncias que envolviam os fatos concernentes a ele.

A perseguição às pessoas que pensam diferentemente de nós é um dos maiores e piores crimes que pode haver contra a humanidade. É a derrubada do principal pilar dessa mesma humanidade: o direito de pensar o que se quiser, como se quiser. É a destruição do livre-arbítrio, aquilo que, segundo os teólogos, nos liga a Deus e dele nos distingue.

Como poderia um homem de Deus, tão justo, nobre e honrado, ser tão covarde e negar a seus semelhantes o direito de ser, dom que o mesmo Deus, que ele tanto amava, lhes deu?

Total incoerência, só é possível em mentes que praticam a religião com fanatismo. Como meu ídolo humanista poderia ser um fanático religioso, assassino de pessoas que não pensavam como ele?

Mais recentemente fiz meu próprio julgamento de Thomas More. Excomunguei-o com os poderes a mim delegados pelo Pai todo-poderoso, no qual ele acreditava mais do que eu creio. Rebaixei-o à condição de homem comum, passível de erros comuns e o bani de minha lista de heróis.

No entanto não posso desconhecer que ele, com seu livro Utopia, nos fez, e faz acreditar que é possível almejar um lugar e um tempo melhores.

Sir Thomas More pode não ter vendido sua alma a Henrique VIII, mas a vendeu para uma equivocada crença da Igreja Católica, a mesma que quase matou Galileu e que jamais poderia ter patrocinado a perseguição àqueles que professavam outra fé, ou mesmo outras doutrinas da mesma fé.

Ontem sonhei com Thomas More. Ele usava o mesmo colar dourado do filme, a mesma roupa escura e o mesmo chapéu engraçado. Ele estava em pé em um jardim, num lugar alto, de onde se via uma linda praia. Parecia ser a ilha Utopia, nome que significa não lugar, habitada pelos aleopolitas, cidadãos sem cidade e governada por Admeus, príncipe sem povo.

Ele sorriu para mim e então eu acordei.

Aparas do tempo

Meu método de criação literária é um tanto exaustivo. Quando tenho vontade de abordar um assunto, o coloco no papel e volto a ele quantas vezes forem necessárias para que as ideias utilizadas nele quase se transformem em granito, onde eu possa exercitar uma técnica literária bem parecida com a da escultura. É como se ao invés de escritor, me transformasse em um escultor de ideias, usando palavra, frase e sentença como fossem martelo, cinzel e lixa, com as quais construísse minha obra.

Recentemente notei que, ao contrário de antes, meus textos tem ficado maior que o normal e descobri que deve ser efeito colateral de minha abstinência de tribuna. Meno male! Que me faltem tribunas formais e que as informais se proliferem.

A seguir vou relacionar três trechos que fui obrigado a retirar de crônicas recentes, ou por falta de espaço ou por opção de abordagem, mas que acredito que devam ser publicadas aqui até como sugestão de pautas, para mim e para você.

1 – Do texto sobre Haroldo Tavares:

Acho que estou perdendo a mão!

Antes, meus textos fervilhavam dentro de mim e pulavam pra fora com arroubo e volúpia tão fortes, que com seu calor, faziam a tinta das canetas se fixarem no papel.

Agora, eu claudico “catando milho” em um notebook que teima em não aceitar alguns pensamentos e sentimentos meus. Teima ainda mais em não aceitar algumas das formas com as quais tento exprimi-los.

Nesses anos todos tenho falado de muita coisa. Já até tentei escrever menos, mas alguns assuntos se impõem contra minha vontade e minha necessidade de resguardo.

Vinte anos atrás falei da morte de meu pai, no calor da hora. Depois, comentei sobre política, cinema, sobre as relações das pessoas, sobre filosofia, sobre o dia a dia, e até sobre a lembrança do cheiro do pão de minha infância. Hoje vejo que tudo isso, que escrever, para mim, nada mais é do que a feitura do diário de minha humilde existência. Falando dessas coisas, falo essencialmente de mim de minhas circunstancias e de suas consequências.

O artista é um egoísta. O pintor se pinta, o cineasta se filma e o escritor se escreve. Ou pelo menos eles tentam.

Hoje vou tentar ser menos egoísta e vou falar de…

2 – Do texto sobre a reforma política:

A função de gestor público é bem parecida com a de pai e mãe. Não que eles devam ser paternalistas, isso não. Refiro-me ao fato de que aqueles que dependem dos pais, ou seja, os filhos, em primeiro lugar, antes de amá-los, devem respeitá-los. Esse respeito gera a confiança que os filhos precisam para seguir os pais, criando assim uma forte relação onde um e outro se sentem parte de um mesmo grupo, sentem uma interdependência que se transforma em uma força quase insuperável, capaz de suplantar muitas dificuldades. Assim deveria ser a relação entre o povo e seu mandatário.

Quando isso acontecer, e não vou dizer que isso é fácil, mas não é impossível, teremos um sistema político menos imperfeito.

Quando um pai perde o respeito do filho a família está condenada à ruptura.

Quando o mandatário perde o respeito de seu mandante, ele tem que ser substituído. Isso, numa democracia, se faz é na eleição subsequente. Qualquer outra forma de agir estará indo de encontro com a nossa carta constitucional que…

3 – Do texto sobre as manifestações que ocorrem pelo Brasil afora:

Um provérbio antigo originário de diversas culturas diz que só se costuma fechar a porta depois que a casa é assaltada.

É isso que está acontecendo em nosso país. Todos sabiam que era preciso tomar providências efetivas, eficientes e eficazes em vários setores, mas precisou que o povo se revoltasse e fosse para as ruas para que os governantes tentassem fazer alguma coisa.

Quem não sabe que as ações de saúde executadas pelos governos, nos três níveis da administração pública, não se efetivam, são ineficientes e ineficazes? Quem não sabe que o mesmo ocorre na educação, na segurança, no saneamento básico, no transporte…

Essa realidade é amplamente conhecida e o que se tem feito para resolver tudo isso? Temos tomado algumas medidas paliativas e localizadas, inventamos ações com nomes bonitos e atalhamos na tentativa de conter a maior parcela da população instituindo “Bolsas”.

Depois da redemocratização do país, a grande mídia elegeu um presidente da República e em seguida tratou de derrubá-lo. A Globo e as outras redes de televisão, na ida e na volta, manipularam a população.

Primeiro, deram ressonância ao discurso do candidato das Alagoas fazendo guerra contra os marajás e direcionaram os anseios por tempos melhores dando-lhe a cara de um político jovem, bem apessoado, escondendo o que sabiam há tempos que se tratava de um homem descontrolado.

Depois, na hora de destituí-lo, usaram sem cerimônia a mesma técnica utilizada para elevá-lo, sempre respaldados na massa, sempre facilmente manipulável.

Ora, se a massa é facilmente manipulável quando a mídia quer, imagine o quanto essa mesma massa terá de poder quando der a essa mídia motivos para repercutir uma verdadeira e genuína revolta. Não sei se podemos chamar de círculo vicioso ou virtuoso, onde quem protesta usa quem comunica e quem comunica o protesto usa os protestantes.

Mas essa é apenas uma ínfima parte do problema. Do problemão que hoje…

 

PS: Tempos atrás já havia observado esse fenômeno “esculturista” acontecer comigo e naquela época cometi um pensamento em forma de poesia que bem exemplifica esse fato: Quando se tira mais do que se põe, o poema vira escultura.

 

Perfil

“Poeta, contista e cronista, que, quando sobra tempo, também é deputado”. Era essa a maneira como Joaquim Elias Nagib Pinto Haickel aparecia no expediente da revista cultural Guarnicê, da qual foi o principal artífice. Mais de três décadas depois disso, o não mais, porem eterno parlamentar, ainda sem as sobras do tempo, permanece cronista, contista e poeta, além de cineasta.

Advogado, Joaquim Haickel foi eleito para o parlamento estadual pela primeira vez de 1982, quando foi o mais jovem parlamentar do Brasil. Em seguida, foi eleito deputado federal constituinte e depois voltou a ser deputado estadual até 2011. Entre 2011 e 2014 exerceu o cargo de secretario de esportes do Estado do Maranhão.

Cinema, esportes, culinária, literatura e artes de um modo geral estão entre as predileções de Joaquim Haickel, quando não está na arena política, de onde não se afasta, mesmo que tenha optado por não mais disputar mandato eletivo.

Cinéfilo inveterado, é autor do filme “Pelo Ouvido”, grande sucesso de 2008. Sua paixão pelo cinema fez com desenvolvesse juntamente com um grupo de colaboradores um projeto que visa resgatar e preservar a memória maranhense através do audiovisual.

Enquanto produz e dirigi filmes, Joaquim continua a escrever um livro sobre cinema e psicanálise, que, segundo ele, “se conseguir concluí-lo”, será sua obra definitiva.

Busca

E-mail

No Twitter

Posts recentes

Comentários

Arquivos

Arquivos

Categorias

Mais Blogs

Rolar para cima