Eu vivo e eu morto

Eu sempre tive uma vontade muito estranha! Uma imensa vontade de estar presente em meu velório! É que gostaria muito de ver quem iria estar lá presente. Gostaria de observar meticulosamente quem demonstraria que iria sentir saudade, e quem deixaria claro desde logo que sentiria mesmo era falta de mim. Estando lá iria observar quem rememoraria os bons e até os maus momentos compartilhados com o de cujus.

Seria realmente uma coisa espetacular se fosse possível estarmos presentes em nossos velórios. Para uns seria espetacular no bom sentido da palavra, mas para outros o espetacular seria sinônimo de desastroso.

Quanto a mim, em meu velório, tenho certeza de que não haverá aquela fila de mulheres lamuriosas, pois se não as fiz felizes em vida, na morte a única coisa que elas vão querer é se lembrar dos fatos ocorridos ou dos que ficaram por acontecer, mas em ambos os casos penso que os saldos são positivos.

No dia do nosso velório pode até haver quem compareça por mera obrigação, como eu mesmo faço em alguns casos protocolares, mas certamente haverá que vá como eu infelizmente tenho ido, em alguns velórios de pessoas a quem muito estimo. É estimo, usando o verbo no presente do indicativo, pois os verbos não são conjugados no passado sobre quem se ama.

Não ficarei feliz se em meu velório tiver choro triste. Fica desde já estabelecido que lá só poderá haver choro motivado pela alegria de ter havido vida e realizações que ligam os ainda presentes com aquele agora inanimado corpo. Podem chorar o quanto quiser, mas de alegria por se recordarem das presepadas que compartilhamos na infância ou das descobertas que fizemos na adolescência, descobertas todas boas. Ninguém que vá se lembrar de um jogo de basquete que perdemos, a não ser se for para lembrar que, apesar de termos perdido, jogamos melhor e com fair play.

Espero que não esteja presente em meu velório a minha mãe, pois ela não aguentaria perder um filho, mas que estejam presentes meu irmão, Nagib, o primeiro pedaço de mim, minha filha, Laila, meu segundo pedaço e minha esposa, Jacira, meu pedaço último e total, da mesma forma que desejo que meus queridos amigos lá estejam.

Espero que aqueles que eu admiro, respeito e amo sobrevivam a mim, mesmo que algum não esteja presente ao meu velório, mas que eu não sofra a dor de comparecer ao velório deles.

No final o que importará mesmo ao comparecer em meu velório será poder experimentar mais uma vez, talvez a última, os sentimentos que ligavam aquelas pessoas ali presentes a mim, e isso é estar vivo.

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Perfil

“Poeta, contista e cronista, que, quando sobra tempo, também é deputado”. Era essa a maneira como Joaquim Elias Nagib Pinto Haickel aparecia no expediente da revista cultural Guarnicê, da qual foi o principal artífice. Mais de três décadas depois disso, o não mais, porem eterno parlamentar, ainda sem as sobras do tempo, permanece cronista, contista e poeta, além de cineasta.

Advogado, Joaquim Haickel foi eleito para o parlamento estadual pela primeira vez de 1982, quando foi o mais jovem parlamentar do Brasil. Em seguida, foi eleito deputado federal constituinte e depois voltou a ser deputado estadual até 2011. Entre 2011 e 2014 exerceu o cargo de secretario de esportes do Estado do Maranhão.

Cinema, esportes, culinária, literatura e artes de um modo geral estão entre as predileções de Joaquim Haickel, quando não está na arena política, de onde não se afasta, mesmo que tenha optado por não mais disputar mandato eletivo.

Cinéfilo inveterado, é autor do filme “Pelo Ouvido”, grande sucesso de 2008. Sua paixão pelo cinema fez com desenvolvesse juntamente com um grupo de colaboradores um projeto que visa resgatar e preservar a memória maranhense através do audiovisual.

Enquanto produz e dirigi filmes, Joaquim continua a escrever um livro sobre cinema e psicanálise, que, segundo ele, “se conseguir concluí-lo”, será sua obra definitiva.

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