CASSIOPÉIA

Constelação distante

no espaço

há um palmo da mão.

Escorre estrela

por entre os dedos

em tempo.

Para jamais chegar

ao chão.

Mini-contos ou micro-crônicas ou poesia?

1
PADRE NOSSO

No lugar onde nasci, o padre, três horinhas, saía pela sacristia e cruzava a Praça Cursino Rabelo – nome do avô do ex-prefeito.
Toalha branca no pescoço, saboneteira na mão, quixotesco, ia banhar-se na casa da viúva sibá – dona da padaria.
Seis horas, já banhado e paramentado, rezava a Missa: Em nome do pai, do filho e do espírito santo… – “amante”.

2
ULTRASONOGRAFIA

O feto é fato. Fito a foto do fruto.
Angústia do pronto.

3
DEZEMBRO

Não quero ficar solene.
Rasgo terno e gravata, visto a velha roupa
de zorro – capa e espada e refaço o bilhete pra Papai Noel.

4
MENINO

Ser menino, arriar o calção e mijar o mundo.

5
A GELADEIRA

Dois litros (Johnnie Walker) d’água pelo meio – um manchado de batom.
Numa lata de salsichas (Wilson), só duas.
Uma caneca (de alumínio) emborcada num prato. Um talher enrolado num guardanapo de papel. Três fôrmas de gelo (vazias) na prateleira do meio.
Numa frigideira o resto do jantar de ontem (arroz, feijão, ovo, macarrão e salsicha).
Uma panela de arroz tampada com um prato. Uma lata de feijão (Wilson) na porta.
Na gaveta, dois tomates (mínimos), uma banda de limão, um pedaço de cebola e dois dentes de alho.
Os ovos que não foram almoçados ontem estão na fôrma. Da manteiga restou a manteigueira.
Em baixo, na porta, uma lata de óleo (Salada) e duas garrafas de Brahma (cerveja).
O açúcar contra a formiga (e o poeta contra ó mundo?). Leite condensado (Moça?).
1/4 de mamão (família).
Dois parafusos dos pés da geladeira e quatro pilhas (Ray-o-Vac) médias no congelador.
Há também um fusca (desmontado) atrás da geladeira.

6
O SUICIDA

Suicida seduzido pela janela.
E ninguém, ninguém para segurar pela asa do caixão.

7
TRÂNSITO GRÁFICO

Transeunte em diagonal, defunto em horizontal.

8
AMBULANTE

Maria Rita armava barraca na mureta da Praça Benedito Leite e vendia:
Dois-tão de pernas grossas; duas coxas macias, ancas graciosas e luzidias como as da égua Esmeralda, caso de amor de “seu” Dico.
Cintura de umbigo tufado – culpa da parteira “Dona” Maria José do Bom Parto.
Peitos ainda durinhos, mas já querendo murchar de tanto freguês apalpar.
Pescoço de bailarina, cabelos de espanhola, olhos de moça-virgem e andar de brincar ganzola.
Maria Rita armava barraca e vendia…

9
O JORNALISTA

A verdade em camisa-de-força.
E você aí batendo as teclas da máquina, criando obstáculos entre versão e realidade.

10
O DIA

O sol ao sul do quintal.
No oeste, seria a noite chegando.

O sonho de ontem.

Elegante,
falante,
galante…
Não lembro direito, mas não esqueço jamais.
Flores,
vinho,
coisas pra beliscar,
música,
dança,
conversa ao pé do ouvido.
Sorriso infantil,
olhar denunciador,
seu corpo fala por ela,
vibra(literalmente vibra)
ao som da flauta de Euterpe
e da lira de Terpsícore.
No colo dela,
em seu decote,
descortino o mundo e desço…
Montes,
vasta pradaria,
vales,
um rio feito de suor…
Precipício…
Mergulho.
Quando emergi estava nas costas dela,
em sua nuca
e aos seus ouvidos fechei a noite.

Perfil

“Poeta, contista e cronista, que, quando sobra tempo, também é deputado”. Era essa a maneira como Joaquim Elias Nagib Pinto Haickel aparecia no expediente da revista cultural Guarnicê, da qual foi o principal artífice. Mais de três décadas depois disso, o não mais, porem eterno parlamentar, ainda sem as sobras do tempo, permanece cronista, contista e poeta, além de cineasta.

Advogado, Joaquim Haickel foi eleito para o parlamento estadual pela primeira vez de 1982, quando foi o mais jovem parlamentar do Brasil. Em seguida, foi eleito deputado federal constituinte e depois voltou a ser deputado estadual até 2011. Entre 2011 e 2014 exerceu o cargo de secretario de esportes do Estado do Maranhão.

Cinema, esportes, culinária, literatura e artes de um modo geral estão entre as predileções de Joaquim Haickel, quando não está na arena política, de onde não se afasta, mesmo que tenha optado por não mais disputar mandato eletivo.

Cinéfilo inveterado, é autor do filme “Pelo Ouvido”, grande sucesso de 2008. Sua paixão pelo cinema fez com desenvolvesse juntamente com um grupo de colaboradores um projeto que visa resgatar e preservar a memória maranhense através do audiovisual.

Enquanto produz e dirigi filmes, Joaquim continua a escrever um livro sobre cinema e psicanálise, que, segundo ele, “se conseguir concluí-lo”, será sua obra definitiva.

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