Correspondência quase suspeita.

6comentários

São Luis, 3 de maio de 2008.

Joaquim,

Dê só uma olhadinha no que essa minha filha anda escrevendo!

A “pikena” ta demais… Só queria ver a cara do pessoal daquela escola, uma das melhores da nossa cidade, que não tiveram nem um pouquinho se quer, de paciência e compreensão para com ela…

Minha menina vai longe. Parabéns para mim!

ITAAF

São Luis, 4 de maio de 2008.

Ivana,

Tenho visto! E lido. E conversado com ela.

Meu coração tem estado mais tranqüilo.

Minha vontade agora é que ela possa estudar, se formar e fazer o que ela mais gosta… Literatura, fotografia… Cinema quem sabe!?

Mas pra 19 anos ela ta muito bem obrigado!

Parece que fizemos um bom trabalho, e não vamos brigar pra saber pra quem ela puxou, se foi pra mim ou pra você!

JENPH

Donnie & Giu

Por Laila Haickel

Donnie era um cara misterioso e fazia questão de ser assim. Ele pensava que o mistério dele era simplesmente não deixar as coisas claras, e mal sabia o que realmente atraía aquela garota que ele falou a primeira vez no final de fevereiro daquele ano que veio pra mudar tudo.

Giu era uma sonhadora, sempre foi e provavelmente sempre será, mesmo que possa acabar se escondendo através de palavras demais impossibilitando o mundo de compreendê-la. E mal ela sabia também o que viria a se tornar.

Donnie tinha uma propensão genuína que ele desconhecia pelos obstáculos que se impunha, todos os escudos contra as essencialidades da vida que ele via como perda de tempo e contextualizava como fraqueza. Mal ele sabia que seus escudos que eram estúpidos e se tornaria mais um desses que escrevem canções de amor e cartas enquanto tomam doses de uísque.

Giu sempre escreveu canções de amor, mas pra alguém invisível, com toda a imaturidade de uma criança e todas as indagações de um adulto. Ela nunca soube onde estaria se metendo e nem como sairia disso. Na verdade ela nunca pensou em saídas, ela sempre pensou nos começos e nos meios, fins eram ocasionalidades tristes que ela preferia não pensar a respeito. Mal ela sabia que fins realmente existem.

Donnie procurou estabelecer regras pra organizar esse sentimento estranho ao seu corpo dentro da sua vida que nunca realmente precisou de nada disso pra valer à pena. Todas as regras se quebraram, tudo se espatifou e ele se perdeu em uma imensidão de horizontes vazios. Mal ele sabia definir como isso veio a acontecer, e riu pra si mesmo o sorriso mais triste que alguém já deu.

Giu flutuava ou boiava. Não tinha o pé fincado em lugar algum, não via diferença entre céu e terra, ficava assim… rodopiando em uma atmosfera de dor e perguntas sem resposta. Mal ela sabia que o que a envenenava seria aquilo que a faria crescer.

Donnie não conseguia controlar suas palavras agressivas, era o mínimo que ele podia fazer depois de ter se decepcionado tanto. E ele sentia raiva de si mesmo por apesar de tudo sentir saudades do cheiro da pele dela, mesmo que ele não admita sentir raiva por coisas assim. Mal ele sabia que ela conhecia todos os seus defeitos e os aceitava não porque pensava que merecia como penitência, mas porque amava suas qualidades muito mais.

Giu chorava todos os dias e por tudo, talvez ela seja assim até hoje, eu não sei ao certo. Ela sabia que merecia ser feliz mas não conseguia levá-lo pro mesmo abismo que ela se encaminhava, não era justo, porque ele não merecia aquilo, ele merecia ser feliz. De impulsiva se fez inconseqüente e cada segundo da sua vida em contagem regressiva vem uma sensação de claustrofobia que ela adquiriu com o passar do tempo. Mal ela sabia que a vida seria tão dura.

Donnie de vez em quando lembra da sua gargalhada enquanto fuma um cigarro no terraço, e ela ecoa até ficar tão distante que some, assim, inexistente como a presença dela. Ele percebeu que continuava com seus métodos frios mas também não queria mudar, ele pensava que assim que tinha que ser e guardava dentro de si um fiapo de esperança de felicidade tão frágil de se olhar… mas inquebrantável. Mal ele sabia que a vida não precisava ser tão dolorosa.

Giu não sabia mais no que pensar, no que acreditar, mas seguia em frente, sabe-se lá pra qual destino. Quem a olhava nos olhos podia perceber que ela tava lá no fundo, se arrastando, procurando uma brecha de luz. Ela se tornou uma pessoa ansiosa e sentia o coração pulsando cada vez mais acelerado. A agonia de não saber o que se espera a fazia esperar por coisas sem valor, como a hora que ela tivesse que sair de casa obrigada a enfrentar o mundo lá fora, simples coisas cotidianas. Mal ela sabia como era se sentir assim e que ele já havia passado por isso.

Donnie e Giu mal sabem de nada, mal sabem de tudo. Mal sabem como é sentar um de frente pro outro e jogar barriga inchada em um dia tedioso, mal sabem o que é nadar no mar juntos, mal sabem o que é pegar uma estrada só os dois, mal sabem o que é pegar um livro de receitas e tentar uma coisa nova, mal sabem quantas canções tristes de amor poderiam compor e mal sabem ainda mais que nem toda canção de amor tem que ter uma ponta de tristeza.

Mas Donnie sabe o que é rir da risada dela, o que é ir pro aeroporto e esperar que ela chegue e ainda vestindo uma roupa imprópria, sabe o que é ter que agüentar toda aquela teimosia que ela insiste em não largar, sabe que ela segura o garfo de maneira engraçada, sabe que ela não cala a boca um segundo e quando se cala alguma coisa ta errada, sabe por que ela gostou ou gostaria daquele filme, sabe que ela perde a vaidade de tempos em tempos, sabe que ela finge não estar com dor de cabeça pra poder fumar em paz, sabe como é dançar sem música com ela, sabe como ela é medrosa, sabe como ela pega no cabelo, sabe como fazer cócegas nela, sabe que ela é capaz de bater nele se estiver com raiva e falar mais palavrões do que ele já escutou na vida, sabe que ela fala alto demais e deixa-o com vergonha, sabe como é acordar e vê-la dormindo ao seu lado, sabe como é se entreolharem e não precisar de uma palavra pra compreender, sabe que ela bate o pé no chão quando quer alguma coisa e como ela fica um saco quando ta manhosa. Donnie sabe muito, sabe mais do que ela própria sobre si mesma.

E Giu sabe exatamente como a sobrancelha dele vai se mover, sabe que ele não ri pra fora quando tem uma crise de riso e pega tão forte no braço dela que fica a marca, sabe que a risada dele também muda de tempos em tempos e que ele já teve uma que mais parecia um porco, sabe que quando ele diz que tem uma surpresa pra ela é um porco rosa aliás, sabe como é sentir admiração só de ficar observando-o, sabe o que é ficar irritada com o silêncio dele, preso nos próprios pensamentos, sabe que ele fica com as costas encurvadas e ainda assim fica a mandando ajeitar a postura, sabe o que é ter que ficar ouvindo mil reclamações e querer mandar ele pra algum lugar não muito prazeroso, sabe como é quando ele se empolga com algo e só consegue falar disso, sabe como ele se vicia em uma música e a faz escutar a mesma toda hora, sabe que ele não consegue largar o violão e sabendo que ela não agüenta mais ter que ser platéia, ele toca uma música da banda preferida dela, sabe qual é a sensação do melhor abraço do mundo, sabe que ele faz carinho como se tivesse acariciando um cachorro. Giu sabe muito também, e dá valor pra coisas que ele talvez nem imagine que ela lembra. Ela costuma pensar que o dia em que eles saíram só os dois pela primeira vez é feriado por causa deles, porque definitivamente é motivo de feriado, e fica imaginando se ele continua ruim de datas ou se lembrou que é hoje.

6 comentários para "Correspondência quase suspeita."


  1. Anônimo

    Joaquimzão acabei de descobrir o que tu já fizestes pelo Maranhão! Tua filha. Ela é a melhor coisa que tu já fizestes pelo nosso Estado, pois teu trabalho como deputado é um lixo.

    Resposta: Vou ter que concordar com você. Perto de minhas filhas, todo o resto que já fiz parece mesmo lixo.

  2. Anônimo

    Donnie e Giu, o masculino, o feminino, o amor, a alteridade e o desencontro.Por quê tem que ser assim em algumas histórias, não é?Ainda bem que existe os tempos e, claro, a memória. Lembrar sobre o desencontro pode ajudar a dar referências p/ um novo começo até porque o mundo gira, um dia sempre termina para iniciar outro…
    P.S. Nem sei como parabenizar a escritora, parece que os pais dela disputam sobre sua herança genética. Para nascer um ser humano existe os cromossomas X,Y, e sua combinações, ah existe também o encontro, se o bebê foi fruto de um amor.

  3. Anônimo

    Joaquim,
    Esse texto dela se virar uma história mais longa… Queria saber que final ela daria… 😀
    A Laila escreve maravilhosamente bem. Os textos dela são ora intensos, dilaceram, vasculham sentimentos, ora são leves, cômicos, juvenis, ora irreverentes…
    Bom seria ela começar a se programar tecnicamente para publicar, pq é um talento perdido num blog escondidinho.

  4. Anônimo

    Muito bons mesmo os textos de sua filha. Parabéns!

  5. Anônimo

    Será que essa concordancia está correta: “O pessoal tiveram”???? não ficaria parecido com “A gente fomos”???? Desculpem-me se eu estiver errado.

    Resposta: ???

  6. Alice Matos

    Laila, acabo d eler o teu texto no Site Lima Coelho.
    http://www.limacoelho.jor.br/vitrine/ler.php?id=1412
    Gostei

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