Cinco prêmios em oito dias: “Pelo Ouvido”, de Joaquim Haickel

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Matéria publicada no site www.curtaocurta.com.br

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Entre os dias 14 e 21 de junho, o filme “Pelo Ouvido”, adaptado, produzido e dirigido por Joaquim Haickel foi premiado em três festivais. No Boston International Film Festival, nos Estados Unidos onde ele levou o prêmio de melhor direção, no II Festival Curta Cabo Frio, onde recebeu o prêmio especial do júri e o prêmio de melhor atriz para Amanda Acosta e no 31º festival Guarnicê de Cinema de onde saiu com os prêmios de melhor filme do júri popular e novamente de melhor atriz para Amanda Acosta.

O filme é baseado no conto homônimo de Haickel, que além de realizar trabalhos no cinema e literatura, também é deputado. O texto foi escrito na década de 80, quando o diretor participava da revista cultura Guarnicê e ainda ensaiva os primeiros passos na política. A trama gira em torno das relações de um casal, cujo protagonista, após acidente, tornou-se cego, surdo e mudo. Cerca de 40 pessoas trabalharam na produção do filme, que custou aproximadamente 150 mil reais.

Confira abaixo uma pequena entrevista com o diretor e o conto que deu origem ao filme.

joaquimnagibhaichel.jpgCurta o Curta – Como nasceu a idéia do filme?
Joaquim Haickel
– Em outubro de 1991, o escritor gaúcho Caio Fernando Abreu veio a São Luís ministrar um curso para jovens poetas, escritores, jornalistas e universitários maranhenses.Cada dia alguém da oficina indicava um conto para ser lido por e depois havia uma rodada de discussões e comentários.

Sugeri a leitura do conto “Pelo Ouvido”, dizendo-o de David Linch. Lido o conto, a maioria do grupo – inclusive o próprio Caio Fernando Abreu – reconheceu traços cinematográficos que ligavam o texto a experiências do soturno diretor. No dia seguinte, o constrangimento foi geral quando todos souberam que eu havia escrito o conto Pelo Ouvido em 1983, e não David Linch.

COC – Quanto tempo durou a produção? Qual a maior dificuldade que você enfrentou?
Haickel
– Adaptamos o roteiro em 30 dias. Aprovamos o projeto no Minc em 60. Enquanto isso, adiantávamos a pré-produção. Gravamos em 5 dias. Desenvolvemos uma trilha sonora original, montamos e finalizamos em mais 90 dias.

Foram 6 meses de um trabalho extremamente prazeroso. Tive a sorte de contar com uma equipe de primeira: Cássia Mello, Arturo Sabóia, o pessoal da Mutante Filmes, etc. Dificuldade mesmo só para conseguir patrocinador.

COC – Esse é seu primeiro filme?
Haickel
– Pode-se dizer que sim. Participei de um grupo que fazia filmes em super 8 no inicio dos anos 80 em São Luis. Fizemos até um filme que ganhou os prêmios de melhor filme maranhense tanto do júri técnico, quanto do júri popular. Chamava-se “The Best Friend – O Amigão”. Agora, paralelamente ao “Pelo Ouvido” fiz outro filme, “Padre Nosso”, editado em duas versões, 1 minuto e 4 minutos.

COC – O filme tem participado de outros festivais?
Haickel
– Para mim foi indispensável a contratação do Curta o Curta para distribuir o filme em 50 festivais nacionais. Quanto aos festivais internacionais, minha amiga Lyvia Viana tem feito um trabalho incrível de distribuição. Estamos participando da pré-seleção de outros 50 festivais fora do país e acabamos de saber que estaremos na sessão Focus on World Cinema do Festival Des Films Du Monde, em Montreal no Canadá, em agosto.

COC- Você está fazendo outro filme agora?
Haickel
– Tenho uns quatro projetos em mente. Um documentário sobre as relações entre eleitor e candidato durante uma campanha política. Um docudrama sobre um personagem da historia maranhense, que ainda não foi escolhido. Pode ser o Padre Antonio Vieira, Gonçalves Dias, Sousândrade, Ana Jansen, os irmãos Artur e Aluízio Azevedo, Joaquim Gomes de Sousa, O caso vergueiro ou sobre as ricas famílias maranhenses do inicio do século 20.

Há muito assunto. Alem disso quero encontrar alguém que me ajude a adaptar algumas historias de meu livro de contos, A Ponte. E principalmente, quero fazer um longa-metragem baseado no mundo do cinema. A vida das pessoas que estudam esse oficio, essa arte. Tudo a cerca dessa gente, de seu trabalho e de seus sonhos. Uma homenagem ao cinema, os cineastas e aos cinéfilos.

COC -Por que e para que fazer curtas no Brasil de hoje?
Haickel
– É fazendo curta que se aprende a fazer longas! É praticando que se aprimora e a maneira mais fácil de se praticar é fazendo, e pra se poder fazer temos que começar fazendo mais barato, mais simples. Há outro motivo de porque e pra que se deve fazer curta metragem. Essa é uma linguagem única, a capacidade dizer em 15 ou 20 minutos o que alguns levam 90 ou 120. Curtas e longas estão para literatura como conto e romance. Para um há um mercado estabilizado e demanda para o outro não, mas nem por isso deve se deixar de fazê-lo.

Pelo ouvido, o conto

Cego era Churck. Cego e surdo.
Em verdade Churck era cego, surdo e mudo.
Kate não era sadia. Talvez não muito sã, mas sadia.

*

Casaram-se em Richmond e foram morar em Washington, num bairro antigo – Georgetown.
Kate trabalhava numa fábrica de sutiãs – telefonista.
Churck recebia pensão do exército. Na Coréia, uma granada estourou-lhe os tímpanos, arrancou-lhe as cordas vocais e vazou-lhe os olhos. Mas foi só.

*

Voltou pra casa e casou com a namorada de infância Katarrine Hampumt.
Kate o amava muito. “Kate o ama muito” – comentava-se.

*

Voltar pra casa, encontrar Churck e amar era o que se passava pela cabeça dela desde a saída.
Chegava, preparava banho pra dois. Espuma e amor na banheira.
Churck adorava. Kate nem tanto. Preferia na cama.

*

Depois do chá com torradas, Kate lia – Dashiell Hammett – em voz alta.
Churck nada ouvia. Pintava: mulheres – azuis, verdes, lilases, sempre mulheres nuas – nada via.

*

Onze horas, a de deitar. Kate sorria – hora de sentir prazer. Primeiro adaptava o headfone com o qual trabalhava a seu aparelho, discava: Chevy Chase, 3951.

*

“Alô!” – Kate.
“Estava ansioso…” – voz masculina do outro lado da linha.

*

Kate e Churck se amavam, Churck nada falava.
Kate ouvia.

11 comentários para "Cinco prêmios em oito dias: “Pelo Ouvido”, de Joaquim Haickel"


  1. Lud

    Meu querido Joaquim,
    Cada notícia sobre você ou sobre o sucesso que tem feito o seu filme me faz ficar mais orgulhosa, pois eu sei o quanto isso é importante pra você, o quanto a literatura, o cinema, o quanto suas artes são importantes para você, na sua vida, para compensar o lado mais cru, mais duro e mais pesado que sua alma de poeta tem que suportar.
    Parabéns meu amigo, esse sucesso de agora é fruto do trabalho e da dedicação ao seu objetivo. Não desista nunca. Você sabe o que você quer e sabe como fazer para conseguir isso.
    Beijo,
    Lud.

  2. francisco

    joaquim,

    Voce é uma pessoa que deseja ser o melhor em muitas coisas na vida.

    Aproveite seu blog para falar das coisas maiores . Deixe que os outros falem de vc e de seu trabalho. Sai do centro do mundo e ponha-se na tarefa de mostrá-lo aos seus leitores.
    Não estou propondo que vc assuma um papel de modestia.Não! Só que eu, por exemplo, acho o fim da picada a auto proclamação de nossa virtudes mesmo qunda elas são merecedoras como no seu caso !
    parabens pelos prêmios !

  3. LENA

    INCRÍVEL COMO A SUA FOTO APROXIMOU VOCÊ DO LEITOR NESTA ENTREVISTA. “OLÁ, COMO VAI? EU VOU INDO E VOCÊ, TUDO BEM?”…

  4. leitor

    Aproveite seu blog p/ falar de coisas quaisquer – maiores, menores,infinitas coisas – contanto que escreva poesias, crônicas e faça mais filmes de seus escritos ou/e de outros artistas. Joaquim, realizar um DESEJO é algo infinitamante gratificante e quando alguém realiza um DESEJO deve ser COMEMORADO.
    Seus filmes ficarão p/ sempre como exemplo de um sonho realizado e, claro, como incentivo p/ as pessoas que um dia conseguirem realizar seus projetos.
    Ainda bem que existe o blog onde seu leitor pode acompanhar seus trabalhos

  5. Helena

    Acreditas que nas minhas viagens ao mundo da imaginação já pensei em um filme sobre o caso Vergueiro? Só pensei, claro, não faço cinema, só curto (não é trocadilho…). Dou o “maiorapoio”.

    Resposta: Ainda bem que nessa família tem alguém que pensa e pensa bem… kkkkkkk… senti falta de vocês ontem…

  6. Tati

    Ola Joaquim!
    Fico feliz em saber que seu filme fez tanto sucesso por aqui!
    Deixo meus sinceros parabens a voce e tambem votos para que a chama da cultura e da arte jamais se apague de seu coracao, alma e cabeca!
    O Brasil depende de pessoas como Voce pra ter sua arte vista e reconhecida por este mundo afora e…eh claro, dentro dele tbm!
    Congrats!
    Tati.

  7. Átina das Graças

    Li um post maravilhoso no Site Lima Coelho sobre o curta e as premiações. Meus parabéns. Sou sua leitora e o conehci no Site Lima Coelho

  8. leitor

    Joaquim,

    Você estará participando com algum filme na mostra de cinema internacional de São Paulo?
    Estarei por lá na próxima semana e quero conferir pessoalmente.

    Resposta: Caro Leitor, gostei muito que você tenha perguntado isso, pois só assim tenho a possibilidade de tocar nesse assunto de forma clara e direta. O filme “Pelo Ouvido” que eu escrevi o roteiro e para isso contei com a marcante participação de Arturo Sabóia, que eu produzi com a importante ajuda de Coi Belluzzo, que eu dirigi com a indispensável assistência de Eliane Coster, que foi selecionado para importantes festivais nacionais e internacionais de cinema como o Goiânia Mostra Curtas, a Jornada Internacional de Cinema da Bahia, o Amazonas Film Festival, o Palm Springs International Short Film Festival, o Los Angeles Latino International Film Festival, o Miami Short Film Festival, o Festival des Films du Mond de Montreal, o Festival Internacional del Nuevo Cine Latinoamericano de Havana, apenas para citar alguns dentre mais de 20 até agora, que ganhou 5 prêmios importantes, o de melhor diretor no Boston International Film Festival, os prêmios de melhor filme e de melhor atriz para Amanda Acosta dos Festivais Curta Cabo Frio e Guarnicê, apesar disso tudo, o “Pelo Ouvido” até hoje não conseguiu ser selecionado para nenhum dos festivais de cinema mais importantes do nosso país, que são 2 em São Paulo, 2 no Rio, 2 em Belo Horizonte, 2 no Rio Grande do Sul e 2 em Brasília. Porque será isso!? Porque isso acontece!? Será que o “Pelo Ouvido” não é bom o suficiente para participar desses festivais!? Será que os importantes festivais citados anteriormente, para os quais o filme foi selecionado, não têm o mesmo nível desses para os quais ele foi rejeitado!? Há algo muito estranho nisso tudo. Eu não comungo da teoria da conspiração, mas que há algo nessa historia, isso há.
    Agora lhe respondendo diretamente, infelizmente o nosso filme “Pelo Ouvido” não participará da Mostra Internacional de cinema de São Paulo.

  9. Euterpe

    Joaquim,

    Se dermos uma olhada rápida ao que acontece na 32ª Mostra Internacional de São Paulo, veremos que é um diretor alemão quem comanda a lista dos filmes a serem assistidos, serão homenageados um cineasta japonês e outro sueco, um dos grandes ilustres esperados será um diretor argentino e o encerramento estará por conta de uma cantora portuguesa.
    Diante de tal cenário dá prá entender porque artistas do porte de Carmem Miranda, Maria Rita, Seu Jorge e mais recentemente Alice Braga (só prá citar alguns nomes) precisaram mostrar seu talento lá fora, serem valorizados lá, prá depois serem reconhecidos aqui.
    É assim que as coisas acontecem no Brasil! É claro que seu filme é bom o suficiente para estar em qualquer um dos importantes festivais brasileiros. Não se frustre por isso.
    Você não precisa provar mais nada para ninguém. Independente de qualquer prêmio que seu filme ainda venha a ganhar, você
    já é um vencedor. Pense em quantos estão nessa estrada e não conseguiram nada. Você mesmo se diz um amador. E que amador consegue em seu primeiro filme tanto quanto você já conseguiu no seu!?
    Tenha certeza que nós, maranhenses, temos muito orgulho de você e do grande feito que é “Pelo Ouvido”. E você Joaquim já
    entrou para história do cinema, porque este filme é simplesmente maravilhoso.!

    Resposta: Bondade sua! Estava sentindo falta de seus comentários.

  10. Cícero Monteiro de souza

    Sobre a possibilidade de um filme (documentário) sobre um grande maranhense apostaria em um grande sucesso um documentário sobre o cientista Joaquim Gomes de Souza. Acado de publicar uma biografia desse grande cientista com uma documentação inédita, fatos surpreendentes. O brasil ainda não o conhece.
    Cicero Monteiro de Souza

    Resposta: Conheço pouco sobre esse grande maranhense e gostaria de ler seu livro você poderia me dizer onde posso conseguir um exemplar? Grato. JH.

  11. Cícero Monteiro de Souza

    Caro Joaquim
    Somente esta semana li seu interesse pela obra de Joaquim Gomes de Souza, peço desculpas por isso. Mas, se ainda interessa ler meu livro (foi lançado e vendido na Livraria Cultura mas esgotou) posso enviar um exemplar,basta mandar um endereço para isso.
    Cícero Monteiro de Souza

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