Com um nó na garganta.

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Escrevo hoje motivado pelo e-mail que recebi de uma querida amiga que não deseja ser identificada e que insiste em não querer tirar a venda que a impede de ver claramente, sem maniqueísmos, sem dualidade, sem o eterno conflito entre o bem e o mal, que a atrapalha em um julgamento mais correto e em uma observação menos comprometida deste cenário, que apesar de injusto e cruel, é real e verdadeiro.

Deixem-me tentar contextualizar os fatos. Estava na Assembléia Legislativa quando avistei uma amiga na galeria e fui cumprimentá-la. Nos encontramos na ante-sala do plenário e logo começou a se amontoar pessoas para falar comigo. Não era nenhum grupo pleiteando a aprovação de alguma lei, eram pessoas que sempre vão ali a busca de uma solução para alguns de seus problemas. Uma passagem, um exame, um remédio. Alguém que tem a água, a luz ou a prestação de sua casa atrasadas, alguém que precisa pagar a faculdade ou simplesmente alguém que não tem o que almoçar naquele dia.

Cada vez que uma dessas pessoas se aproximava de mim, minha amiga levava uma facada, literalmente, e acusava isso em seu olhar. Cada vez era como se ela fosse trespassada por uma peixeira.

Foi quando se aproximou de nós uma mocinha. Seus cabelos eram desgrenhados, suas roupas surradas, seu rosto oleoso, mas ela era dona da uma fala suave e mansa. Ela olhou pra mim e perguntou se eu trabalhava ali. Eu sorri, imaginando só comigo se era aquele o meu trabalho, se foi para isso que havia sido eleito, mas mesmo assim disse-lhe que sim. Então ela me perguntou se eu poderia lhe conseguir um emprego. Tanto eu quanto minha amiga, deixamos claramente transparecer nossa satisfação através de um suave sorriso que escorregava do canto de nossos lábios. Que alivio, pensamos. Na verdade pensou mais ela do que eu, em que pese eu quisesse estar enganado sobre o que de antemão saberia o que iria acontecer, afinal, desde 1978 eu trabalho nesse setor, onde já vi de quase tudo. 

A tal moça disse que era professora e que precisava de uma “oportunidade”. Essa foi a palavra que matou a minha amiga. Nessa hora seus olhos brilharam ainda mais. Estava ali em nossa frente alguém que viria a comprovar que no mundo, naquele mundo, não havia apenas pedintes, mas alguém que buscava uma oportunidade. Se isso fosse verdade, eu queria ser o instrumento de tal providencia.

A moça disse já ter trabalhado de vendedora em varias lojas, e como não mostrou interesse em um trabalho em sua área, achei esquisito. Minha amiga não notou nada. Estava hipnotizada pela possibilidade de aquela moça ser a redenção de suas preces. O elo perdido de dignidade que ela imaginava existir como se isso fosse uma coisa que estivesse em um individuo messiânico, que viria salvar toda aquela sociedade de poderosos e esmoles.

Minha amiga, com os olhos, suplicava para que eu ajudasse a moça. Então eu chamei meu chefe de gabinete e pedi que ele fizesse três cartões de recomendação para aquela jovem. Algum deveria resolver.

Foi nessa hora que ocorreu o inimaginável. A minha amiga sacou um discurso moralista, que parecia politicamente correto, que até eu adoraria que estivesse correto, mas infelizmente eu sabia que não estava. Ela perguntou-me porque não havia tentado dar-lhe uma colocação de professora em algum lugar e eu simplesmente respondi que seria impossível, pois aquela moça não era professora. Azul e descrente, a minha amiga não entendia nada. Foi quando tirei o meu broche de Deputado Estadual e dei para ela, dizendo-lhe que dava o meu mandato para que ela fizesse qualquer coisa que pudesse resolver esse tipo de situação. Disse-lhe também que caso aquela jovem fosse realmente professora, eu a colocaria para trabalhar em meu gabinete e mais, disse que aquela jovem pouco se diferenciava daquelas outras pessoas, ao contrário, ela não era o messias, era mais um falso profeta.

Foi um choque para minha amiga. Em seus olhos eu via dor e desilusão. Pra piorar eu disse a ela que antes de sair do meu gabinete a moça iria dizer o que ela realmente queria, desde o começo.

Fomos para meu gabinete. Minha amiga foi conversar com a moça e constatou o que eu havia previsto. Ela não era professora. Foi o primeiro baque.

Cartões de recomendações assinados fomos com a jovem até a porta, nos despedir. Pelo bem de minha amiga, eu torcia para estar errado, mas não estava. Antes de ir, a mocinha muito educadamente, na verdade educadamente demais, perguntou se poderia me fazer outro pedido. Fiquei pálido. Olhei para minha amiga e vi seus olhos brilharem com as lagrimas. – “O senhor poderia me conseguir cem reais, eu preciso comprar um celular…”

Depois disso não ouvi mais nada. Só conseguia pensar no quanto gostaria de estar errado, o quanto gostaria que minha amiga estivesse certa.

Voltei-me para meu chefe de gabinete e pedi que ele providenciasse um almoço para aquela moça e saímos, eu e minha amiga, com um nó na garganta. Eu angustiado por infelizmente estar certo e ela dilacerada por desafortunadamente estar errada.

3 comentários para "Com um nó na garganta."


  1. Marco Antonio Moura

    Sinceramente não sei se gostei mais da excelente qualidade de seu texto ou do magnífico conteúdo dele. Na verdade não sei se detestei mais a clareza com que você aborda uma realidade tão cruel ou sua capacidade de perceber de imediato o que as pessoas já esperam de você como um representante do povo.
    Não sei até agora se o admiro e respeito pela sua inegável qualidade como cronista e como político ou se o abomino e desprezo por sua frieza perante quadro tão deplorável.

    Resposta: Meu caro Marco saiba que as vezes sinto a mesma coisa. Muitas vezes tenho vontade de deixar de ser deputado exatamente por que sinto estas mesmas duvidas em relação a mim mesmo. Fico ponderando, medindo e pesando minhas ações e minhas atitudes como um homem comum, um escritor e como um político, um deputado, para ver onde posso ser mais útil e até agora o resultado tem sido o de continuar tentando pelo menos minorar com um pouco de minha coerência e de minha sensibilidade o acentuado déficit dessas coisas (coerência e sensibilidade) nesse meio em que convivo.
    Pode estar certo que quando ofereci o meu broche de deputado para aquela minha amiga, foi na certeza de que tenho tentado de todas as formas fazer o melhor que posso no desempenho das funções que os meus eleitores me confiaram, e se alguém, ela ou você, tiver alguma sugestão que possa aprimorar minhas ações, ficarei muito agradecido.
    Quanto a sua impressão sobre a frieza de minha constatação no caso narrado, garanto-lhe que ninguém mais do que eu sofre com fatos como esse. Não há frieza de minha parte, o que há é uma dolorosa e assumida incapacidade de mudar tal quadro. Mas eu tenho tentado.

  2. biro-biro

    acho isso tudo pura demagogia, papo furado, conversa pra boi dormir
    a vida de deputado é muito da boa e eles nao estao nem ai pra nada nem pra ninguem

    Resposta: Respeito sua opinião senhor Biro-Biro, mas não é aconselhável que se generalize as coisas principalmente num caso como este. Posso garantir-lhe que eu estou muito ai para muita coisa e para muita gente.

  3. Euterpe

    Joaquim,

    Eu imagino que não deva ser novidade para você esse tipo de comentário sobre os políticos…o que não torna as coisas mais fáceis.
    Sem querer justificar e já o fazendo, nós brasileiros estamos tão calejados de tantos políticos desonestos e interessados somente em seu próprio bem estar, que fica difícil acreditar que exista em seu meio alguém realmente preocupado com o bem estar social e comum.
    Tenho ímpeto de lhe aconselhar a sair desse lamaçal que se transformou a política brasileira, mas como ficaremos se os poucos que querem fazer algo diferente, novo e melhor saírem? É meu poeta…dizem que uma andorinha só, não faz verão.
    No entanto, eu quero continuar acreditando que sim….você poder fazer grande diferença.
    Vá em frente e não se deixe abater por qualquer tipo de comentário desalentador…ao contrário que sirva de incentivo para você nos mostrar que ainda podemos ter esperanças.

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