Às vezes o bom nasce do ruim

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Essa crônica já começa me custando uns mil reais*. Explico: É que o fato que me levou a escrevê-la custou-me esse valor, mas em compensação deu-me além de um novo amigo, a impagável comprovação de que nossa cidade, que agora tem mais de um milhão de habitantes, de certa forma, ainda mantém algumas das boas características de cidade pequena.

Deixe-me explicar melhor. Voltava pra casa depois de um cansativo dia de trabalho e resolvi que facilitaria a vida de meu motorista deixando-o no retorno da Cohama, embaixo do viaduto, para que ele pegasse o ônibus e fosse mais cedo e mais comodamente para casa.

Acontece que algo um tanto imponderável estava para acontecer.

Como o trânsito encontrava-se congestionado, os carros quase não se movimentavam, resolvi que pegaria logo ali, onde nos encontrávamos, a direção do veículo, liberando o motorista ainda mais cedo. Porém ao abrir a porta, e olha que só entreabri a porta, nem cheguei a escancará-la; ao abri-la acabei por atingir e ser atingido por uma motocicleta que resolveu passar pelo lado direito do meu carro, o que além de ser proibido era um tanto improvável que acontecesse, já que o espaço entre o carro e o meio fio era quase nenhum.

O certo é que ao abrir a porta fui atingido e atingi a motocicleta que, depois fui saber, era pilotada pelo Roberto. Até hoje não sei seu sobrenome.

O susto que eu levei foi enorme. Imagine o susto que sofreu o Roberto, sendo que além de susto ele também levou um tombo, tendo machucado um dedo da mão esquerda e o joelho do mesmo lado.

Durante intermináveis segundos Roberto não disse palavra. Apena segurava o joelho com as mãos.

Fui logo procurando se havia algum sangramento e não havia. Observei que ele estava de capacete e isso garantia que a cabeça não havia sofrido nenhum trauma, mas até ele ter falado eu fiquei preocupado.

Quando ele falou, eu relaxei. A dor que ele sentia era visível e o inchaço no joelho foi instantâneo, ele disse que já havia tido problema com aquele joelho, jogando bola.

Ele ficou sentado no chão durante bastante tempo e enquanto isso eu fiquei ao seu lado. Perguntei o seu nome e lhe disse o meu. Ele falou ao telefone com três pessoas, avisando o que havia ocorrido.

Pedi que ele anotasse meus números telefônicos, o que ele fez.

Conversamos um pouco e ele me contou que naquele dia ele havia mandado colocar em sua moto exatamente as peças que quebraram no acidente. Eu não estava nem um pouco preocupado com os prejuízos matérias, minha preocupação era unicamente com o estado físico dele, que nada tinha de grave, mas preocupava pela dor no joelho já anteriormente machucado.

Em momento algum o acidente gerou agressividade, fúria ou raiva. Desde o início tanto eu quanto ele, reconhecemos que ambos fizemos coisas que não deveríamos ter feito. Mesmo que fosse improvável que viesse alguém pela minha direita, eu deveria ter olhado para me certificar disso, enquanto ele jamais poderia ter feito aquela manobra, que além de proibida era arriscada.

Durante todo o tempo estávamos tranquilos, mesmo que eu estivesse preocupado e ele dolorido.

Tudo aquilo deve ter durado uns 30 minutos, e desde o momento do acidente pelo menos uma dúzia de pessoas que passavam pelo lugar paravam e perguntavam se estava tudo bem, se estávamos precisando de ajuda.

Primeiramente parou um rapaz que passava andando pelo local, depois um outro numa bicicleta e logo depois um conhecido em uma moto.

Devido à hora e à má iluminação, em que pese a favor, a pouca distância, e contra, a “vista cansada”, não pude identificar nenhuma das muitas pessoas que passaram oferecendo ajuda.

Fico imaginando se aquilo tivesse ocorrido em outra cidade onde o trânsito é muito mais intenso, se as pessoas teriam a mesma atitude.

Essa peculiaridade de nossa gente, esse jeito de ser um tanto provinciano se comprova não apenas pela forma solidária de agir de nossos cidadãos, mas pela incrível agilidade de como voam as notícias, pois dez minutos depois do acidente, meu amigo Vadequinho me ligou querendo saber se estava tudo bem, se eu estava precisando de alguma coisa. Achei incrível que ele já soubesse. Ele então disse que uma amiga passou pelo local do acidente e ligou para ele, avisando.

Alguns podem dizer que isso acontece em todo lugar, outros podem afirmar que faz parte da natureza humana e outros ainda que isso seja exatamente coisa da província, mas não no que ela preserva de melhor e sim em sua forma mexeriqueira de se comportar.

Para mim, em que pese o ocorrido, ficou a clara percepção da solidariedade de nossa boa gente.

Chamei então o motorista de minha mulher para que, na camionete em que trabalha, levasse a motocicleta de Roberto até sua casa. Depois recomendei que o motorista levasse Roberto a um hospital, o que ele recusou, dizendo que iria no dia seguinte ao Socorrinho que há em seu bairro.

Talvez não volte a encontrar o Roberto, mas tenho certeza que apesar de termos nos conhecido em circunstância ruim, mesmo sem ter sido dito, ficou de ambas as partes uma sensação de civilidade, urbanidade, respeito e compreensão.

*Os mil reais acima citados foram gastos no conserto da moto do Roberto e da porta de meu carro.

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