O privilégio do erro

Muito raramente eu começo um texto pelo título, como foi o caso deste. Normalmente eu acordo muito cedo e com a cabeça leve do descanso proporcionado pelo maravilhoso sono que lubrifica nossa mente, viro um verdadeiro receptáculo de ideias. Escolho-as como faço com os tomates na feira, separando os melhores e descartando os machucados.

Acordei com essa frase em minha mente, como se alguém a tivesse soprado em meu ouvido. Junto com ela veio um turbilhão de ideias que a respaldavam. Vieram exemplos pessoais e provenientes de observações de outras pessoas e outras situações.

Há um velho chavão, usado muitas vezes como mera e esfarrapada desculpa, que diz que “só erra quem faz”. Esta é uma verdade matemática e cartesiana, mas as vidas das pessoas não são sustentadas nem matemática, nem cartesianamente, elas têm aspectos, antropológicos, psicológicos, filosóficos e até fisiológicos que devem ser observados e levados em consideração. Dizer que só erra quem faz para meramente se defender de um erro, simples e banal, é algo asqueroso e covarde.

Já comentei em um texto publicado aqui, que dentre todos os verbos, aquele com o qual eu mais me identifico é o verbo fazer. Posso dizer, sem medo de errar, ou ser presunçoso, que este verbo me identifica e me define. Acho importantes os verbos ser, pensar, amar, e até mesmo o verbo ter, por que não!?… Mas dentre todos, aquele com o qual eu mais me identifico é o fazer.

Conheci alguns gestores públicos que diversas vezes devolveram verbas federais pelo fato de ser muito difícil e complicado a execução de projetos com esse tipo de recursos. Um verdadeiro absurdo! Bastava que o recurso fosse aplicado com todo rigor, que qualquer aplicação do dinheiro público deve e precisa ser aplicado. Obedecendo todos os preceitos legais e observando as normas que regem a gestão pública. Devolver verbas para os cofres da União pelo fato de que algo pode dar errado no uso dela é um dos “acertos” imperdoáveis.

Quando alguém diz “só erra quem faz” e o erro cometido é um erro honesto, sem dolo, este é um erro aceitável, proveniente não do aspecto matemático e cartesiano, raro nas vidas das pessoas, mas consequência daqueles outros aspectos mais humanos que citei anteriormente.

“O privilégio do erro honesto” seria o outro título que pensei em colocar neste texto, que não sei se chamo de artigo ou crônica, deste bate papo com você, meu querido leitor.

Quando penso no erro honesto, a primeira coisa que me vem à cabeça é um artilheiro com a bola na mão, se encaminhando para bater um pênalti. A pressão sobre ele. As arquibancadas lotadas. De um lado, os torcedores de seu time o aplaudindo, do outro, os adversários, o vaiando. Ele respira fundo, coloca a bola na marca da cal, dá quatro passos para trás e avança para a pelota… E perde o gol. Ele erra. Erra por alguma deficiência qualquer. Chutou fraco, no lugar errado… O certo é que ele errou, mas cometeu um erro honesto, pois ele fez tudo o que estava ao seu alcance para fazer o gol. Este é um erro, mas é plenamente perdoável.

Existem alguns ditados populares que nos perseguem. Vicente Mateus, presidente do Corinthians, uma figura folclórica do mundo futebolístico brasileiro, confundia os ditados. Há um que ficou famoso: “Quem tá na chuva é pra se queimar”. Mas pensando bem, é isso mesmo! Pois a obviedade de estar na chuva é sair molhado, nada muda na vida, mas a poderosa metáfora criada sem querer pelo comendador Vicente, traz em si todo o perigo que configura a nossa vida.

Eu nunca tive medo de errar, mas sempre que cometi algum erro, ou ainda quando os cometo, não tenho medo de reconhecê-lo. Quando ele afeta outras pessoas, a primeira coisa que faço é me desculpar, de forma direta e clara. Se um erro, que por acaso cometa, for passível de reparação, eu a faço imediatamente.

Penso que o erro deve ser encarado como a comprovação de nossa falibilidade, como a confirmação de nossa humanidade, certeza essa que se for bem entendida e aceita, nos liberta, possibilitando que busquemos cada dia mais fazermos as coisas certas.

1 comentário em “O privilégio do erro”

  1. Júlio César Pinheiro Maciel

    Joaquim,
    O arrependimento verdadeiro é um sentimento sofisticado, refinado e inteligente.
    Excelente artigo, presente.
    Abraços

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Perfil

“Poeta, contista e cronista, que, quando sobra tempo, também é deputado”. Era essa a maneira como Joaquim Elias Nagib Pinto Haickel aparecia no expediente da revista cultural Guarnicê, da qual foi o principal artífice. Mais de três décadas depois disso, o não mais, porem eterno parlamentar, ainda sem as sobras do tempo, permanece cronista, contista e poeta, além de cineasta.

Advogado, Joaquim Haickel foi eleito para o parlamento estadual pela primeira vez de 1982, quando foi o mais jovem parlamentar do Brasil. Em seguida, foi eleito deputado federal constituinte e depois voltou a ser deputado estadual até 2011. Entre 2011 e 2014 exerceu o cargo de secretario de esportes do Estado do Maranhão.

Cinema, esportes, culinária, literatura e artes de um modo geral estão entre as predileções de Joaquim Haickel, quando não está na arena política, de onde não se afasta, mesmo que tenha optado por não mais disputar mandato eletivo.

Cinéfilo inveterado, é autor do filme “Pelo Ouvido”, grande sucesso de 2008. Sua paixão pelo cinema fez com desenvolvesse juntamente com um grupo de colaboradores um projeto que visa resgatar e preservar a memória maranhense através do audiovisual.

Enquanto produz e dirigi filmes, Joaquim continua a escrever um livro sobre cinema e psicanálise, que, segundo ele, “se conseguir concluí-lo”, será sua obra definitiva.

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