Intimidade indesejada

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Intimidade pode ser uma coisa boa, quando ela aproxima as pessoas, quando ela serve para derrubar as barreiras que normalmente se apresentam em nossa convivência diária, seja entre parentes próximos como pais, filhos, irmãos, cônjuges ou até mesmo entre amigos.

A excessiva intimidade propicia inclusive dividirmos coisas pessoais como roupas íntimas ou escova de dentes. Mais que isso, intimidade é sinal de confiança, ela nos dá a sensação de que o outro é parte remota de nós mesmos e isso faz com que compartilhemos segredos inconfessáveis ao padre, ao analista ou ao espelho, na hora do balanço diário de nossas próprias vidas, mas abre uma janela ou uma porta que nos liga a um outro cômodo dessa casa que somos nós.

Infelizmente temos tido ultimamente intimidade com alguém que não é de nossa família, não é nosso amigo, nem de nossa confiança. Alguém a quem não desejamos a menor aproximação. A morte.

Essa figura tem convivido diariamente conosco. Às vezes ela passa ao longe, outras vezes ela nos ronda e algumas vezes ela chega mais perto de nós.

Antes, ela se apresentava de tempos em tempos, não era tão frequente e intensa a sua presença. Agora ela é presença constante em nosso dia a dia.

Se antes ela era mais seletiva, visitava quem mais fosse acessível, agora ela vem sem nenhum critério, aleatoriamente.

A mim parece que a presença dela é decidida em um desses jogos de azar bem simples e elementares, onde a probabilidade de perda ou ganho varia sempre em torno de 50%. Algo como par ou ímpar, como cara ou coroa… Torço para que este jogo se transforme logo em um jogo mais viável para nós, como o jogo da velha, palitinho ou mesmo jogo de dados.

Além de tudo que nos acarreta, a intimidade com a morte nos faz cada dia mais reclusos, individualistas, afastados das pessoas, não só pela precaução das medidas sanitárias de segurança e proteção, mas pelo medo mesmo.

Essa onda de intimidade com a morte tem uma causa maior, a pandemia de Covid-19, como no caso de meus tios afetivos Estelmo e Maria da Graça, mas a morte continua a comparecer usando outros convites, como foi o caso de tio Stenio, que foi atropelado e meu cunhado Antônio, que não resistiu a um câncer.

Não vamos extirpar a morte. Isso é impossível. Mas precisamos acabar com essa abjeta intimidade que ela tem imposto a nós. Precisamos contê-la, fazer com que ela volte a aparecer menos frequentemente. Essa senhora tem nos dado muito trabalho e não quero intimidade com ela.

Abaixo, relaciono algumas pessoas queridas que perdemos nos últimos tempos, com as quais a falta de intimidade tem nos feito menos felizes e mais tristes.

Meu cunhado Antônio Rocha; meus tios Stenio, Estelmo e Maria da Graça Barros; minha alegre sogra, dona Jacira; a tenaz Domingas; Seu Zé Maria Quariguasi; meu querido primo Fred; nossa querida prima, Olguinha Maluf; a jovem Natália Murad; Dona Eusuíta Costa Rodrigues; nosso amigo Rafael Lobão, atlético e saudável; o bom Henry Duailibe; minha comadre Alda, Verde, Vitorinha e Luiz Pedro, amigos da ALM; dr. Alexandre Dames; os confrades da AML, Cabral, Valdemiro, Milson e Sálvio; os queridos Aldionor Salgado, dona Maria Lucia e Reginaldo Teles; a vibrante Juja; o bom padre Bráulio; o titânico Morart Baldez; Zeca, o Belo, e seu irmão Totó; a bela e amável Cyntia Itapary; meu confrade, o padre João Resende, os amigos Pires e Clorisval; o espirituoso Saint Clair; Seu Eusamar, amigo de meu pai; o fotógrafo Meireles, lá de Pindaré… Devo ter esquecido de alguém… Me perdoem por isso… é que têm sido muitos… Estou cansado de relacionar e comunicar perdas, mas não me cansarei jamais de louvar os bons sentimentos que essas pessoas emanavam e que suas lembranças continuarão emanando.

Depois que este texto já havia sido publicado no Jornal O Estado do Maranhão, mais uma grande perda, soube do falecimento do meu amigo, locutor da Mirante FM, Rubinho Jones…

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