Uns com tanto, outros com tão pouco

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Meu pai não era exatamente alguém a quem se pudesse designar o adjetivo “filósofo”, mas ele dizia frases baseadas em ensinamentos que aprendera nos livros que lera, entre eles, “Como fazer amigos e influenciar pessoas”,  de  Dale Carnegie, e no convívio com seus amigos, como Eduardo Aboud e Clodomir Milet.

Algumas de suas frases ecoam em minha mente até hoje, vinte nove anos depois de sua morte.

Citando Nenem Prancha, ele dizia que “quem pede, recebe, quem se desloca tem preferência”. Essa frase era usada para dizer que as pessoas precisam dizer o que pensam, pretendem e desejam. Além disso essas pessoas precisam se movimentar, se deslocar, ocupar os espaços, buscar espaços vazios, não ocupados por ninguém. Achar o seu lugar.

Esse ensinamento servia para ele próprio e para aqueles que conviviam com ele, tanto no que dissesse respeito ao comércio ou a política.

Já quando ele dizia que dava “um boi para não entrar numa briga, e uma boiada para não sair dela”, estava se referindo unicamente a si mesmo. Era um aviso para aqueles que quisessem desafiá-lo para alguma contenda. Uma advertência no sentido de avisar que pra vencê-lo, o adversário teria que dar tudo de si e um pouco mais. Não era que ele fosse simplesmente turrão. Ele era tenaz e trabalhava como um burro de carga, sendo que de burro ele não tinha nada.

Outra frase que gostava de repetir era: “Poder não é pra quem o tem, mas para quem sabe usá-lo”. Com isso ele queria orientar algumas pessoas detentoras de poder, fossem elas quem fossem, do porteiro da empresa ao presidente dela, do oficial de justiça ao desembargador, do vereador ao presidente da república, do sacristão ao bispo.

Em muitos casos algumas pessoas que ocupam cargos menores, sejam eles eletivos ou comissionados usam o poder de forma melhor ou mais eficiente, eficaz e efetiva que algumas outras pessoas em situação de primazia.

A maioria das vezes, isso acontece pelo fato dessas pessoas, nos dois casos, terem mais ou menos conhecimento ou sabedoria no uso e na prática do poder.

Já vi contínuos se portarem com mais conformidade em suas funções que seus superiores nas funções deles, da mesma maneira que vi oficiais de gabinete atenderem melhor as pessoas que os deputados para quem trabalhavam. O inverso também não é incomum. Existem muitos contínuos e oficiais de gabinete que pensam que são os chefes e usam o pouco poder que lhes cabe de forma desastrosa.

Conheço políticos que não honram os cargos para os quais foram eleitos, deixando de fazer coisas simples e mínimas, como atender bem às pessoas, que em primeira e última instância são os motivos do poder que detêm. Políticos que não conhecem nenhuma das frases definidoras do bom profissional desse setor, propaladas pelo polêmico deputado Nagib Haickel, meu pai.

Eu mesmo tive dificuldade de cumprir alguns desses mandamentos, como por exemplo o de estar sempre disponível, presente a solenidades, comparecer a eventos, reuniões, comícios e similares. Eu era ruim nesse quesito.

Outra frase que meu pai costumava usar como uma espécie de lema era “ninguém é obrigado a empenhar sua palavra, mas se o fizer, deve honrá-la ou resgatá-la com correção, lealdade e honra”.

Alguém que não consiga cumprir esses compromissos mínimos, não merece ter o espaço de poder que ocupa.

Um empresário que não está disposto a se relacionar com seus colaboradores e com seus colegas empreendedores, não merece ter sucesso. A arrogância e a prepotência não leva ninguém, muito menos um político, ao sucesso. A soberba e a autossuficiência, também não.

A história está repleta de exemplos de potenciais lideranças que em pouco tempo demonstraram total incompatibilidade com o bom uso e exercício do poder.

Meu pai era um sujeito muito brincalhão e espirituoso e tinha frases em seu repertório que não eram lá muito elegantes de serem ditas, mas em sua forma simples de ser e agir ele tentava amenizá-las usando palavras menos “agressivas” ao decoro, como “quem tiver medo de defecar, não deve comer” , referindo-se a alguns empresários e políticos que temendo o fracasso, não empreendiam e por isso, de início já haviam fracassado. Desse tipo ele tinha ojeriza, chamava-os de covardes.

Havia uma frase com a qual ele normalmente encerrava uma discussão: Quem viver, verá.

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