Minha mãe e a guerra

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No nosso almoço de quarta-feira passada, minha mãe, sempre querendo saber sobre tudo que acontece, me pediu para explicar para ela não só sobre o atual conflito entre Israel e o Hamas, mas também sobre como essa desunião entre primos começou.

Sentei-me ao seu lado e lhe disse que esse era um assunto muito complicado, mas que iria contar algumas histórias para que ela pudesse ter uma ideia geral, mesmo que extremamente simplificada de toda a situação.

Contei a ela que os estudiosos dizem que Abraão, patriarca dos povos do Médio Oriente, descendente de Sem, filho de Noé, viveu há aproximadamente 4.000 anos, na cidade de Ur, que hoje fica no Iraque.

Comentei que de certa forma é com a descendência de Abraão que se inicia a história de cizânia dos povos daquela região, uma vez que Ismael, seu filho com Agar, escrava egípcia de sua mulher, Sarah, deu origem aos Ismaelitas, povo que em sua maioria, depois do advento religioso de Maomé, passamos a conhecer como islamitas ou muçulmanos.

Já Isaac, filho de Abraão com Sarah, deu origem ao povo hebreu, que hoje chamamos de judeus ou israelenses. Lembrei a ela que Deus resolveu mudar o nome de Jacó, neto de Abraão, filho dileto de Isaac, para Israel, palavra que significa “permita que Deus prevaleça”, e que é no significado desse nome que esse povo tanto se respalda.

Se essa história é verdade, se ela aconteceu ou não, pouco importa. O que importa é que muitas pessoas acreditam nela, outras não acreditam e outras ainda a desconhecem.

Expliquei a ela que para entendermos melhor precisaríamos viajar no tempo e irmos para o Egito, por volta do ano 1500 antes de Cristo quando dizem que Moisés libertou os hebreus do cativeiro.

Disse a ela que eu não acreditava que o povo hebreu, comandado por Moisés, vagou durante 40 anos pelo deserto. Salientei que esse tempo foi suficiente para que tenha havido uma mudança geracional entre o povo que saiu do Egito e o que chegaria na tal Terra Prometida, onde jorrava leite e mel, mas onde viviam vários povos, entre eles os filisteus.

Expliquei-lhe que para se implantarem ali, os hebreus, agora comandados por Josué, expulsaram muitos povos de suas terras e passaram a conviver com aqueles que não conseguiram expulsar, inclusive os filisteus, que se encontravam espalhados pelo enclave entre o Rio Jordão a leste, o Mar Mediterrâneo a oeste, a Síria ao norte e o Egito ao sul.

Nessa área viviam os cananeus em cidades como Jericó e Hazor, conquistadas e destruídas pelos hebreus, mas havia também os filisteus, agrupados em uma espécie de confederação formada por cinco cidades: no litoral, Gaza, Asdode e Asquelom, e mais para o interior, Gat e Ekron.

Disse à minha atenta e boquiaberta mãe, que essas eram verdades históricas que devem ser levadas em conta para que possamos criteriosamente entender os conflitos que acontecem naquela região.

Contei que uns 500 anos depois da morte de Josué, por volta de 1.000 anos antes de Cristo, o então juiz dos hebreus, Sansão, da Tribo de Dã, que se localizava nos arredores de onde hoje é a Faixa de Gaza, enfrentou os filisteus e perdeu a vida para eles, acorrentado nas colunas centrais do Templo de Baal, e que cego, mas já com algum cabelo, transformou-o em escombros.

Mais 1.000 anos se passariam até o nascimento de Jesus de Nazaré, na época em que o Império Romano dominava o mundo. Foram os romanos que consagraram o nome de Palestina àquela região, a partir do nome hebraico Filístia.

Mostrei a ela que podemos datar o começo deste conflito usando diversos referenciais. Podemos dizer de forma simbólica que ele começou há 4.000 anos quando Ismael e Isaac se apartaram. Podemos dizer que ele já dura 3.500 anos, desde quando Josué, reivindicando o presente que Deus havia prometido a Jacó / Israel, invadiu e tomou à força parte do território que hoje ocupam. Podemos usar Sansão como referência e marcar 3.000 anos de guerra. Podemos também pular 3 milênios para localizar o início desse conflito apenas quando da criação formal do Estado de Israel, em 1948, e a posterior ocupação da Palestina pelos judeus, mesmo que eles já vivessem lá há mais de 3 milênios.

Disse-lhe não importa quando datemos o início desse conflito, pois ele sempre remete a uma pergunta fundamental, quem é o verdadeiro dono desta terra, e a resposta mais correta e honesta, é complexa demais e não agrada a nenhum dos interessados.

Falei rapidamente a ela sobre os agravantes culturais, religiosos, políticos, estratégicos e de outras procedências, que dificultam ainda mais o entendimento de toda essa situação e a busca pela paz.

Por fim, comentei sobre o atual episódio. Disse que a agressão partiu de um grupo terrorista, o Hamas, que vivem em meio aos palestinos, e que até seria aceitável se ela fosse direcionada aos inimigos declarados de sua causa, o Estado de Israel, mas essas covardes agressões foram direcionadas ao povo de Israel, por isso elas devem ser rechaçadas de forma peremptória e total, da mesma forma que os atos cometidos pelo governo de Israel, diretamente contra o povo palestino, não podem ser admitidos.

Disse a ela que defendo o direito do povo palestino ter um Estado constituído formalmente e reconhecido por todas as nações, mas para isso é indispensável que eles admitam e respeitem a existência de Israel. Esse é o primeiro passo para que haja alguma espécie de paz naquela região.

Ao final, minha mãe, com o semblante visivelmente consternado e pesaroso, me disse: “Meu filho, ao que parece essa guerra não terá fim, mas atos covardes contra a população civil são totalmente inadmissíveis e devem ser repudiados por todos. Sinto muita pena das mães das pessoas mortas nessa guerra”.

1 comentário para "Minha mãe e a guerra"


  1. Maria da Conceição Mendes Andrade

    Obrigado pela matéria

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