Maioria dos brasileiros não consome cultura

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Atividades culturais não fazem parte da rotina da maioria dos brasileiros. Teatro, música, dança e outras manifestações artísticas continuam restritas a determinados públicos em 25 Estados e 139 municípios do Brasil. O levantamento é do estudo “Públicos de Cultura: Hábitos e Demandas”, realizado pelo Serviço Social do Comércio (Sesc), em parceria com a Fundação Perseu Abramo.

Na pesquisa, divulgada agora, 2.400 pessoas foram entrevistadas em setembro do ano passado. O resultado é desanimador: mais da metade da população (61%) nunca havia assistido a uma peça teatral, enquanto 75% e 71%, respectivamente, nunca estiveram em um espetáculo de dança e em exposições de pintura ou escultura. Concertos ou óperas perecem no limbo: 89% nunca estiveram em um.

A pesquisa é mais ampla. Considera, além da frequência em espetáculos culturais, perfis socioeconômicos, preferências dos brasileiros, acesso e comportamento relativos à arte. “O resultado não foi uma surpresa. Já sabíamos das dificuldades das pessoas em relação ao acesso à cultura”, explica Márcia Rodrigues, gerente de Cultura do Departamento Nacional do Sesc. “A pesquisa pode direcionar objetivos, elencando, a partir dos dados, as necessidades dos brasileiros. Mais do que nunca, é preciso que se constitua uma política pública para a cultura. ”

A notícia de que as práticas culturais não são prioridade pode não estarrecer, visto que acesso à cultura é adversidade histórica no Brasil. Mas o quadro não deixa de se configurar em um problema, inclusive para o futuro das manifestações artísticas, sobretudo quando se fala em circuito alternativo (fora da grande mídia), dependente de uma formação de público mais intensa.

Para Lia Calabre, professora e pesquisadora da Fundação Casa de Rui Barbosa e especialista em políticas culturais, é dever do poder público assegurar o acesso da população à cultura, uma vez que a garantia está na Constituição. No entanto, ela diz que não existe uma fórmula única a ser aplicada. Pelo contrário: o fato de a pesquisa ser ampla, feita em 25 Estados, é sintoma da enorme diversidade de públicos no Brasil. “As instituições que se preocupam em conhecer e definir melhor o perfil do seu público, criar estratégias de fidelização e oferecer uma variedade de programação tendem a ser mais bem sucedidas em seus projetos.”

A renda também é componente importante na discussão. Embora pareça óbvio que mais dinheiro signifique, a princípio, maior possibilidade de acesso a bens culturais, a conexão é mais indireta do que sugere. “Não há uma correlação imediata”, diz Márcia Rodrigues, gerente de Cultura do Sesc. “Atividades culturais também estão relacionadas a gostos e experiências. A gente gosta do que conhece. Para frequentar, é preciso conhecer.”

TV é preferência

Muita gente conhece, de forma profunda, apenas a programação da televisão, sobretudo os canais abertos – 62% dos entrevistados responderam que só assistem à TV aberta, enquanto apenas 1% disse que não gosta do veículo. Em contrapartida, 58% das pessoas não leram nenhum livro nos últimos seis meses. Quem leu (42%) possui média de 1,2 título nesse período.

Segundo Márcia Rodrigues, a preferência pela televisão reflete, também, a dura rotina da maioria dos brasileiros: o tempo para a prática cultural, reduzido em favor da escala de trabalho, é dedicado a um veículo que já está em casa. “A TV ainda é o grande instrumento de comunicação. Mas a internet também vem crescendo aceleradamente. E, através dela, é possível não só acessar a programação cultural da sua cidade, mas também uma obra de arte.”

Lia Calabre lembra que a mobilidade urbana influencia diretamente no acesso aos espetáculos. “As nossas cidades estão ficando cada vez mais complicadas em matéria de deslocamento.” A solução, como disse Márcia Rodrigues, pode ser a web. “Uma outra prática que cresce, além da televisiva, é a do consumo através da internet e do compartilhamento em rede pelos jovens.”

Vale Cultura

Uma tentativa recente de ampliar o acesso aos bens culturais é o Vale Cultura. São R$ 50 mensais (cumulativos) em um cartão pré-pago, que pode ser usado para ingressos (cinema, dança, shows etc), produtos (quadros, jornais, livros, entre outros) e cursos de formação artística. O benefício é direcionado a funcionários de empresas cadastradas, prioritariamente os que ganham até cinco salários mínimos.

A iniciativa, no entanto, divide opiniões. A professora Ana Targina Ferraz, especialista em ação cultural, critica o Vale Cultura. Segundo ela, as perspectivas de ampliação ao acessos são pequenas. “O valor do vale é baixo, o que certamente limitará as escolhas dos usuários”, diz.

Para a professora, o Vale Cultura não chega nem perto de substituir o investimento estatal nas atividades culturais. A educação de base também é solução mais límpida. “Seria necessário que as escolas públicas pudessem contar com atividades curriculares e extraclasse que estimulassem a leitura, a musicalização, as artes visuais e o apreço pelo teatro e pelo cinema.”

Ingressos caros

Apesar de a renda não garantir o gosto pela cultura, o preço dos espetáculos também pode ser impedimento para muita gente. A publicitária Natasha Marcondes, 24, costuma ir a cinemas, teatros, shows e comprar livros. Ela considera altos, no entanto, os valores dos ingressos.

“Os ingressos para teatro são muito caros. Assisti ao musical ‘Ary Barroso – Do Princípio ao Fim’, com o Diogo Vilela, e o ingresso custou R$ 100”, lembra. “Reina a lei da oferta e da procura. No Espírito Santo, como não há muitos teatros e peças em cartaz, os preços são abusivos.”

Outro exemplo é o bancário Marcelo Lobato, 24, que raramente frequenta os ambientes culturais, embora consuma pela internet. “Esses programas são caros. A falta de tempo também é um grande obstáculo. Por isso os produtos culturais de streaming estão ficando tão populares. Você assiste quando tem tempo.”

A blogueira Thaís Freitas, 29, lembra que os shows internacionais, cada vez mais frequentes no Brasil, são “um verdadeiro rombo no orçamento.” Além deles outros espetáculos pesam na conta do fim do mês. “Por isso, infelizmente, eles acabam sendo os primeiros itens cortados quando é preciso economizar.”

Fonte: A Gazeta

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